São Paulo, sábado, 18 de maio de 2002

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LUÍS NASSIF

O susto com as normas técnicas

Um susto e um constrangimento internacional foram o preço pago pelo governo e pelas empresas brasileiras para acordar para a importância das normas técnicas. No dia 12 de abril passado o Brasil foi excluído da ISO, a organização que define as normas do sistema ISO. E na companhia na Nigéria e da Bósnia. A razão foi a falta de pagamento das contribuições.
O vexame foi duplo. Além de país importante dentro do sistema ISO, membro fundador, sendo constantemente convocado para participar de comitês técnicos, o presidente da organização é um brasileiro, Mário Cortopassi, ex-presidente da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). De qualquer modo, valeu pelo fato de o incidente ter chamado a atenção para o órgão.
A ABNT é uma entidade privada, sem fins lucrativos, de caráter associativo, de utilidade pública há 60 anos, com poder delegado do governo federal para ser fórum nacional de normalização. Ou seja, é a entidade que cuida das normas brasileiras.
Não é pouca coisa. Nos próximos anos, as barreiras comerciais deixarão de ser de ordem geográfica e passarão a ser as normas técnicas que cada país definir para seus produtos. Prova disso foi o bloqueio imposto às exportações brasileiras de móveis cuja madeira não fosse proveniente de florestas manejadas de acordo com normas técnicas. Coube à ABNT, em cinco meses, definir as normas.
No próximo mês haverá nova batalha, com norte-americanos e japoneses tentando alterar as normas técnicas para a siderurgia, visando criar empecilhos para a produção brasileira.
A ABNT é composta de 12 mil técnicos de todos os ramos de especialização, trabalhando em 53 comitês de normalização. É a maior rede de conhecimento do Cone Sul. Possui 10,6 mil normas catalogadas, que abarcam regulação de mercado, certificação de produtos e sistemas. É peça central não apenas para políticas de comércio exterior, mas para a própria elevação da qualidade dos produtos vendidos no país.
Os problemas por ela enfrentados foram de ordem financeira. Segundo a ABNT, em toda parte do mundo sistemas de normas técnicas são subsidiados pelo governo. Aqui, o governo entra com 0,5%, bancado pelos ministérios da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Ou seja, R$ 500 mil de contribuição para um orçamento de R$ 10 milhões.
Do orçamento de R$ 10 milhões, R$ 6,5 milhões vieram da venda de normas, R$ 1,5 milhão, de contribuições dos sócios (apenas 1.200 sócios, empresas e pessoas físicas), e R$ 2,5 milhões, de atividades de certificação de produtos ou sistemas.
Pior, houve demora na mudança do modelo de gestão do órgão, que o fez acumular prejuízos de R$ 20 milhões. Teve início um plano de reestruturação, com ajuda de empresas como Gerdau, Petrobras, Votorantim e Pirelli, entre outras. A reestruturação da entidade implicou redução de 30% na folha de pagamento e nas áreas utilizadas em São Paulo e no Rio. Refinanciou-se parte do passivo. E estão sendo inaugurados mais três comitês -de café, segurança alimentar e manejo florestal.
Para resolver a inadimplência, o MCT repassou mais R$ 500 mil para a ABNT. E foi criada a categoria de sócio master, com anuidade de R$ 25 mil, que obteve 40 adesões, permitindo pagar as anuidades devidas à ISO e à IEC (International Electric Comission).
O Brasil é país curioso mesmo. Não se consumou o mal, mas é impressionante como ainda há um manto de amadorismo em todas as áreas. A ABNT precisa de uma ninharia, comparada com os interesses que ela representa. E a situação tem de ser resolvida apenas na prorrogação do jogo.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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