São Paulo, terça-feira, 18 de maio de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

A responsabilidade de quem manda

BENJAMIN STEINBRUCH

Quando um grande avião entra em zona de turbulência, o comportamento dos passageiros muda completamente. Todos apertam os cintos, ficam quietos e ouvem atentamente as instruções do comandante de olhos pregados nos avisos luminosos. Muitos rezam. Os comandantes do avião, porém, mantêm os procedimentos de praxe e cumprem à risca os manuais.
Ocorre o mesmo na economia quando o mercado financeiro entra em turbulência. Nos últimos dias, os olhos de quem acompanha a economia voltaram a se fixar nos indicadores do mercado financeiro mundial, que oscilaram de forma absurda, sem muitas explicações convincentes.
O tema dos juros é outra vez inevitável. A coincidência de publicar este artigo sempre às terças-feiras coloca-me na obrigação de escrever, uma vez por mês, sob a expectativa da decisão do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central), que vai fixar amanhã a taxa de juros básica da economia para os próximos 30 dias.
Como os pilotos de avião, os comandantes da política monetária não podem se deixar guiar por turbulências passageiras. Sua obrigação é seguir os manuais, manter a rota e jamais deixar passar sensação de insegurança a tripulantes e passageiros.
Nada ocorreu nos últimos dias que impeça o Banco Central de continuar sua já tímida política de redução de juros. A economia mundial continua fortemente aquecida, e a inflação americana surpreendeu favoravelmente na última sexta-feira, apesar do efeito petróleo; os juros ainda não subiram nos EUA, a despeito das previsões que apontam nessa direção; as exportações brasileiras continuam em ritmo forte e indicam um superávit de US$ 25 bilhões para este ano; há superávit na conta corrente externa; a produção industrial interna está em recuperação; a inflação brasileira mantém-se sob controle; persiste o superávit fiscal do governo, e até as taxas de desemprego começam a mostrar tendência favorável.
Apesar disso tudo, os juros reais projetados continuam exageradamente altos se forem consideradas as previsões de inflação em queda. Seria desastroso se o Banco Central passasse ao mercado, em sua decisão de amanhã, a sensação de que os pilotos da política monetária estão inseguros. Como disse Lula, não há nada pior para um governo do que o medo premeditado.
A continuidade da redução dos juros, ainda que em doses homeopáticas, é um importante sinalizador para os investimentos produtivos, que precisam urgentemente aumentar. A tradicional revista britânica "The Economist", observadora atenta das tendências mundiais, chamou a atenção na semana passada para uma "ironia" brasileira. "O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, cujo partido de esquerda abomina os especuladores financeiros, tem trabalhado mais para agradar aos investidores de curto prazo do que aos de longo prazo."
A observação é correta. Foi exatamente o que se deu no primeiro ano do governo Lula, sob o argumento de que a nova administração precisava aplicar um choque de credibilidade. Agora, diz a revista, o Brasil precisa de um segundo choque de credibilidade, para convencer os céticos de que esse governo quer ter uma economia saudável, que ofereça rentabilidade aos investidores de longo prazo.
Nenhum investidor, nem interno nem externo, se anima a fazer investimentos produtivos de longo prazo em economias que não crescem. É muito importante ter os fundamentos da economia exemplares, sem déficit público, com inflação baixa e indicadores decrescentes de endividamento. Mas isso não vale nada se a economia está estagnada ou apresenta crescimento pífio, como ocorreu nos últimos dez anos. O investidor de longo prazo quer saber se o mercado vai crescer e se apresenta condições de oferecer oportunidades de lucros. Vide China.
A queda dos juros é peça chave para destravar definitivamente a economia. Desculpe voltar a esse tema. Mas seria omissão fixar os olhos unicamente nas turbulências e esquecer de observar que o Banco Central tem mais uma vez amanhã a obrigação de agir com responsabilidade num momento crucial em que o país precisa desesperadamente de investimentos, produção e, claro, empregos.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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