São Paulo, terça-feira, 18 de maio de 2004

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LUÍS NASSIF

O gigante e o áulico

Há quem se surpreenda, ainda hoje, com a diferença entre a imagem pública e a imagem privada das pessoas -como se os maiores não fossem eles, também, humanos. Esse descompasso é tema recorrente na história mundial. No caso brasileiro, não há personagem contemporâneo mais intrigante que o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
Mesmo sem acompanhar o dia-a-dia do Itamaraty, ouso dizer que é o mais brilhante diplomata da sua geração. Não há nenhum grande feito diplomático da história recente do país que não tenha tido sua participação muitas vezes decisiva.
Foi o caso da vitória sobre as patentes de remédios, um trabalho do ex-ministro da Saúde José Serra, que contou com sua participação decisiva no campo diplomático e do convencimento da opinião pública norte-americana. Do mesmo modo, foi decisiva sua participação nas negociações no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio) que resultaram na condenação dos Estados Unidos no caso do soja e do algodão, dando o apoio diplomático de que necessitava Pedro de Camargo Neto, do Ministério da Agricultura.
Tudo isso antes de se tornar chanceler. Indicado para o cargo, em pouco tempo organizou o grupo dos 22 e assumiu papel central nas grandes articulações diplomáticas internacionais, ampliando enormemente a estratégia de independência diplomática adotada no governo Fernando Henrique Cardoso.
No entanto, esse gigante da diplomacia tem características comuns aos que vivem na corte, de demonstrar uma lealdade aos chefes um pouco além do que recomendam as normas de convivência entre iguais.
O recente episódio de criar um álibi conspiratório para a questão da expulsão do correspondente do "New York Times" do país foi a demonstração mais flagrante de um estilo que já incomodava seus admiradores.
À medida que a poeira vai baixando, fica-se sabendo que a reação de Luiz Inácio Lula da Silva ao episódio foi descontrolada. Virou uma espécie de "quem não está comigo está contra mim". Houve os que ficaram contra e, depois, vieram a público defender a medida como posição de governo -mas fazendo questão de deixar claro sua contrariedade.
Houve os que ficaram a favor, inicialmente, até por falta de informação adequada sobre as conseqüências do ato, mas que evitaram defender publicamente sua posição, por considerar que seria jogar gasolina na fogueira, dificultando ainda mais uma saída honrosa para o governo.
A incrível tentativa de Amorim de conferir um caráter épico à atitude de Lula, vindo de uma pessoa de sua estatura intelectual, acabou mais exposta ainda pelo contraste com a personalidade do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Em nenhum momento Bastos apoiou a medida, em nenhum momento deixou de trabalhar para encontrar a saída adequada ao país e ao presidente.
Que o destino reserve a Amorim inúmeras outras oportunidades de continuar servindo ao país com o brilhantismo com que sempre se conduziu. E que essa sua característica pessoal não atrapalhe sua obra pública admirável.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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