São Paulo, sexta-feira, 18 de junho de 2004

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LUÍS NASSIF

A China e a soja

A crise da soja com a China e a intenção anterior dos chineses de adquirir o grão diretamente dos produtores brasileiros são uma boa razão para avaliar com olhos mais realistas -e menos ufanistas- o que significa e o que poderá significar o agronegócio para o Brasil.
A cadeia da soja está literalmente dominada por multinacionais, que atuam em forma de oligopólio. O Brasil é o maior produtor do mundo. Os mercados estão suficientemente integrados para não depender de intermediários. Está na hora de pensar em uma política clara que transfira para o país o poder de mercado, permitindo que o valor agregado da comercialização fique no país.
O leitor Samuel Dourado, sojicultor e economista, me envia e-mail com análises relevantes sobre o tema. O chamado complexo soja (soja em grão, farelo e óleo) é dominado por não mais que meia dúzia de multinacionais. Essas empresas estão verticalizando suas atividades. Antes apenas compravam os grãos. Agora, também vendem os insumos para produzi-los (fertilizantes, defensivos, sementes). As plantas das indústrias de óleo, farelo e outros derivados são de elevada capacidade de produção, mas inacessíveis ao pequeno e ao médio empreendedor, assim como é inacessível o comércio de exportação de soja.
Após as colheitas, as mesmas empresas estão na ponta adquirindo os produtos. O sistema de armazenagem e comercialização é estruturado de forma a fornecer a "faca e o queijo" a elas, que recebem, classificam e põem o preço na soja adquirida, ou por meio de seus armazéns ou por meio de cooperativas, que, com poucas exceções, fazem seu jogo, diz ele.
Essa estrutura perversa de armazenagem permite que as compradoras, no período de safra (fevereiro a maio), baixem seus preços a níveis insuportáveis, justamente no momento em que o agricultor é obrigado a vender a maior parcela de sua produção para pagar os insumos da lavoura.
É só observar o comportamento da soja na Bolsa de Chicago, diz ele. Se o preço do dólar sobe no Brasil, as cotações da soja em Chicago caem imediatamente para referenciar os preços internos de compra do produtor. E vice-versa. Esse mecanismo permite manter os preços internos aos produtores em reais a níveis desejados pelos operadores do mercado.
Quando os produtores não dispõem de crédito no prazo e volume necessários, a dependência se agrava. As multinacionais impõem os chamados Contratos de Adesão de Compra e Venda de Soja, muitas vezes acompanhados das CPRs (Cédulas de Produtos Rurais).
Essas cédulas foram criadas em benefício do produtor, na obtenção de crédito para suprir sua necessidade de capital de giro na implantação e na condução das lavouras. Só o produtor pode emitir uma CPR. Só que as multinacionais passaram a utilizar os CPRs como garantia dos contratos. Uma vez executado, mesmo não sendo representativo de dívida real, o título permite ao juiz executar a garantia, pelo direito aparente que o título representa.
Eu vou voltar ao tema. A China pode permitir a virada do jogo.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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