São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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LUÍS NASSIF

Os quadrinhos da infância

Dona Tereza proibia quadrinhos em casa. Dizia que desviava a gente dos livros. Meu consolo era ler escondido na casa vizinha, da minha tia, no bar do meu avô ou na farmácia do meu pai, pedindo emprestado na banca do seu Geraldo.
Os quadrinhos exerceram uma influência massacrante na minha geração. Eu tinha vários heróis, um em cada setor. No faroeste, o herói imbatível era o Kid Colt, por uma única razão: era humano, sempre encontrava um pistoleiro mais rápido, mas o vencia pela força do caráter. Em Rock Lane me impressionava a camisa escura, meio aveludada, cuja tessitura eu intuía no quadrinho branco e preto. E, em Buck Jones, o chapéu pontudo.
Campeoníssimo era o Cavaleiro Negro, o médico que se vestia de negro e de máscara para enfrentar os bandidos e que, depois, inspirou música célebre do pessoal do Clube da Esquina. Hopalong Cassidy era um caubói simpático, mas muito velho para entusiasmar a molecada que, depois das sessões de matinê do cine São Luiz, trocava gibis.
Melhor era seu cavalo branco ensinado, que fazia coisas de circo.Havia também os caubóis cantores, como Roy Rogers e seus olhos de china.
Gozada a capacidade que tem uma criança de se fixar em detalhes nos quais, adultos, jamais repararíamos. Como a camisa preta do Dom Chicote, um caubói inexpressivo não fosse pelo chicote que brandia com maestria. Ou o caubói que usava dois revólveres invertidos no coldre.
Ou mesmo o calção do Tarzan. Lá pela metade dos anos 50, "Tarzan" era um gibizinho mal desenhado que nem ele só. Mas o Tarzan tinha dois uniformes, um preto (que me impressionava muito), outro branco. Só anos depois o desenho ganharia gabarito, mas, mesmo assim, me encantava.
Na infância não cheguei a ler os clássicos Príncipe Valente e Spirit. Só nos anos 70 e 80 eles foram relançados em edições de luxo.
Naquele final dos anos 50 e início dos anos 60, os campeões de audiência eram Mandrake, Flash Gordon, a família Marvel, a família Super-Homem (tinha o Super Boy e a Super Mulher), Zorro e Tonto, um caubói mexicano, o Cisco Kid, muitíssimo bem desenhado, Batman e Robin.
Os jornais exploravam pouco os quadrinhos. No "Estadão" durante anos imperou a dupla Mutt e Jeff. Na Folha havia um boxeador de queixo quadrado de quem eu era fã. Durante certo período, essa tira desenvolveu uma história paralela, de um jovem campeão cujo golpe fatal era precedido de uma frase misteriosa que ele cochichava no ouvido das vítimas.
No final dos anos 60, Stan Lee virou os quadrinhos de pernas para o ar. A sucessão de heróis que criou e recriou não tem paralelo nas minhas lembranças. Quando surgiram o Príncipe Thor e seu martelo mágico, o Homem-Aranha e sua avó doente, o Incrível Hulk, o Quarteto Fantástico, o Capitão América, todos personagens cheios de dúvidas existenciais, com o uso intensivo da cor e com desenhistas fantásticos, a história dos quadrinhos nunca mais foi a mesma.
Desse período, lembro-me de um quadrinho curiosíssimo, que tinha um grupo de quatro heróis. A especialidade de um deles era saber se localizar em qualquer grande cidade do mundo -um poder que me fascinava naquela Poços de 40 mil habitantes.
Lamento apenas ter conhecido esses personagens já na adolescência e no início da vida adulta, quando o interesse era mais literário ou de lazer. Na minha infância, teriam ganhado outro colorido, me deixado sem dormir, como os livros de Monteiro Lobato.

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