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OPINIÃO ECONÔMICA
A nova fase do ciclo
PAULO RABELLO DE CASTRO
Os últimos resultados mensais da indústria brasileira e
a retomada gradual do comércio
varejista levaram o governo a
uma incontida explosão de alegria.
Mas todos se perguntam, com
razão, se essa fase de recuperação
do ciclo econômico tem chance de
ser prolongada. Apesar das intempéries que surgem no radar
externo (petróleo e déficits norte-americanos), o Brasil tem diante
de si uma nova frente de crescimento sustentado, desde que não
desperdice a janela de oportunidade, insistindo em fórmulas
neoconservadoras cujo resultado
testado é negativo.
Toda e qualquer fase de recuperação cíclica é promissora. Assim
ocorreu em 1993 (crescimento de
4,9%) e em 1994 (5,9%), no governo Itamar, após o desastre
collorido dos três anos precedentes, 1990, 1991 e 1992. Há semelhanças
curiosas entre aqueles anos e os
da crise recente (2001, 2002,
2003), embora sem nenhuma
coincidência entre os personagens
das respectivas tramas. É a economia dos dois períodos que interessa comparar.
Na fase de recuperação cíclica
dos anos 90, a balança comercial
brasileira chegou a apresentar
saldo de US$ 16 bilhões, algo comparável, nas devidas proporções,
aos megassaldos comerciais da
atualidade. A conta corrente do
balanço de pagamentos estava,
então, praticamente equilibrada,
como agora, embora naquela
época a entrada líquida de investimentos externos diretos fosse
nula, enquanto hoje a confiança
de investidores se expressa por
US$ 10 bilhões anuais de entradas
líquidas. Em compensação, o país
tinha, nos anos 90, muito menos
dívida interna acumulada e um
grande potencial de ganhos em
produtividade ainda por alcançar com a desestatização de importantes segmentos, como telecomunicações, energia, siderurgia, petroquímica, bancos e muito
mais.
Naquele momento, a resposta
criativa, embora tardia, na comparação com outros países inflacionários, foi o Plano Real, concebido ao final de 1993 e deslanchado pouco antes das eleições de
1994. Óbvio que a megainflação
dos anos 90 não existe mais para
ser combatida. Em compensação,
a despesa pública, financeira e
não-financeira, tornou-se a
maior inimiga do desenvolvimento sustentado.
Em 1993, o diagnóstico consensual era o do esgotamento dos
mecanismos de financiamento
inflacionário do Estado brasileiro. Hoje, em 2004, o consenso é o
do esgotamento do financiamento oneroso do Estado, pela avalanche tributária e parafiscal,
tendo o carregamento dos juros
da enorme dívida pública como a
pior conseqüência do Plano Real.
Quem julga haver derrotado a inflação "inercial", que então decorria do atrelamento automático dos salários aos preços, agora
encontra-se diante de semelhante
indexação, não mais via salários,
mas pelos contratos atrelados ao
IGP-M, que pedalam as incertezas do câmbio, prociclicamente,
para dentro do painel dos preços
regulados e, destes, para a ciranda-cirandinha do juro Selic, continuamente monitorado pelas expectativas do mercado financeiro.
A verdade verdadeira é que a
segurança financeira do Estado
brasileiro, nos seus três níveis, da
União e de suas autarquias, Estados e municípios, é constantemente questionada por agências
de risco estrangeiras, que repetem
a arenga dos mercados sobre a suposta fragilidade das finanças públicas, de cuja insegurança crônica se extrai o caldo com o qual se
tem feito o pirão grosso dos juros
reais mais altos do planeta. E,
convenhamos, isso não é novo. Lá
pelos idos de 1993, o insuspeito
Mário Henrique Simonsen, em
coletânea sobre "A Última Década" (editora FGV, 1993, pág. 13),
lamentava que "...o governo federal paga os juros que se costuma
cobrar a um devedor relapso".
O que se quer saber é se o governo, este governo, fará a necessária
revolução financeira no Estado
brasileiro, que o economista Roberto Macedo chama, inspiradamente, de Plano Real Fiscal. Ainda na semana passada, ao ensejo
do 3º Fórum sobre a Reforma do
Estado, em Salvador, aliás, uma
oportuna iniciativa, o economista
Luiz Carlos Bresser Pereira e o jurista Paulo Modesto, coordenadores do conclave, colhiam o questionamento a um governo que se
auto-impõe um superávit primário de dezenas de bilhões de reais
para mal cobrir metade da azeda
conta de juros sobre sua própria
dívida. O Fórum de Salvador deixou clara -um expositor após
outro, inclusive os de origem governamental- a insuficiência
absoluta da contribuição do poder público ao equilíbrio fiscal de
longo prazo.
A despesa pública tornou-se a
grande inimiga do crescimento,
pois o ímpeto gastador do setor
público solapa a credibilidade do
padrão monetário baseado em
metas de inflação de Primeiro
Mundo. Nos últimos cinco anos, o
governo central continuou expandindo a despesa pública, afora juros, numa velocidade que é o
dobro da taxa de crescimento do
país.
Gastar menos era o desafio no
período Itamar, o mesmo se repetindo, cansativamente, agora. E,
dez anos antes (1985), o lema de
Tancredo Neves presidente eleito
era: "É proibido gastar". Só que,
na fase Itamar, o financiamento
da despesa pública era inflacionário. De algum modo, doía menos. Hoje, o financiamento é onerosíssimo, tanto pela derrama tributária quanto pela bola de neve
financeira que engolfa permanentemente o megadevedor chamado governo. O mercado, ao
menor sinal de fragilidade desse
devedor desguarnecido, cogita de
um novo "aumentinho" da taxa
de juros básica, propagandeada
pelos tradicionais arautos da virgindade monetária brasileira.
Pobre real!
A moeda brasileira permanecerá frágil enquanto o governo não
fizer valer sua condição de pagador soberano e de menor risco local, algo que não prevalece hoje.
O potencial desse novo surto de
expansão é, por enquanto, apenas uma janela de oportunidade.
Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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