São Paulo, quarta-feira, 18 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

A nova fase do ciclo

PAULO RABELLO DE CASTRO

Os últimos resultados mensais da indústria brasileira e a retomada gradual do comércio varejista levaram o governo a uma incontida explosão de alegria.
Mas todos se perguntam, com razão, se essa fase de recuperação do ciclo econômico tem chance de ser prolongada. Apesar das intempéries que surgem no radar externo (petróleo e déficits norte-americanos), o Brasil tem diante de si uma nova frente de crescimento sustentado, desde que não desperdice a janela de oportunidade, insistindo em fórmulas neoconservadoras cujo resultado testado é negativo.
Toda e qualquer fase de recuperação cíclica é promissora. Assim ocorreu em 1993 (crescimento de 4,9%) e em 1994 (5,9%), no governo Itamar, após o desastre collorido dos três anos precedentes, 1990, 1991 e 1992. Há semelhanças curiosas entre aqueles anos e os da crise recente (2001, 2002, 2003), embora sem nenhuma coincidência entre os personagens das respectivas tramas. É a economia dos dois períodos que interessa comparar.
Na fase de recuperação cíclica dos anos 90, a balança comercial brasileira chegou a apresentar saldo de US$ 16 bilhões, algo comparável, nas devidas proporções, aos megassaldos comerciais da atualidade. A conta corrente do balanço de pagamentos estava, então, praticamente equilibrada, como agora, embora naquela época a entrada líquida de investimentos externos diretos fosse nula, enquanto hoje a confiança de investidores se expressa por US$ 10 bilhões anuais de entradas líquidas. Em compensação, o país tinha, nos anos 90, muito menos dívida interna acumulada e um grande potencial de ganhos em produtividade ainda por alcançar com a desestatização de importantes segmentos, como telecomunicações, energia, siderurgia, petroquímica, bancos e muito mais.
Naquele momento, a resposta criativa, embora tardia, na comparação com outros países inflacionários, foi o Plano Real, concebido ao final de 1993 e deslanchado pouco antes das eleições de 1994. Óbvio que a megainflação dos anos 90 não existe mais para ser combatida. Em compensação, a despesa pública, financeira e não-financeira, tornou-se a maior inimiga do desenvolvimento sustentado.
Em 1993, o diagnóstico consensual era o do esgotamento dos mecanismos de financiamento inflacionário do Estado brasileiro. Hoje, em 2004, o consenso é o do esgotamento do financiamento oneroso do Estado, pela avalanche tributária e parafiscal, tendo o carregamento dos juros da enorme dívida pública como a pior conseqüência do Plano Real. Quem julga haver derrotado a inflação "inercial", que então decorria do atrelamento automático dos salários aos preços, agora encontra-se diante de semelhante indexação, não mais via salários, mas pelos contratos atrelados ao IGP-M, que pedalam as incertezas do câmbio, prociclicamente, para dentro do painel dos preços regulados e, destes, para a ciranda-cirandinha do juro Selic, continuamente monitorado pelas expectativas do mercado financeiro.
A verdade verdadeira é que a segurança financeira do Estado brasileiro, nos seus três níveis, da União e de suas autarquias, Estados e municípios, é constantemente questionada por agências de risco estrangeiras, que repetem a arenga dos mercados sobre a suposta fragilidade das finanças públicas, de cuja insegurança crônica se extrai o caldo com o qual se tem feito o pirão grosso dos juros reais mais altos do planeta. E, convenhamos, isso não é novo. Lá pelos idos de 1993, o insuspeito Mário Henrique Simonsen, em coletânea sobre "A Última Década" (editora FGV, 1993, pág. 13), lamentava que "...o governo federal paga os juros que se costuma cobrar a um devedor relapso".
O que se quer saber é se o governo, este governo, fará a necessária revolução financeira no Estado brasileiro, que o economista Roberto Macedo chama, inspiradamente, de Plano Real Fiscal. Ainda na semana passada, ao ensejo do 3º Fórum sobre a Reforma do Estado, em Salvador, aliás, uma oportuna iniciativa, o economista Luiz Carlos Bresser Pereira e o jurista Paulo Modesto, coordenadores do conclave, colhiam o questionamento a um governo que se auto-impõe um superávit primário de dezenas de bilhões de reais para mal cobrir metade da azeda conta de juros sobre sua própria dívida. O Fórum de Salvador deixou clara -um expositor após outro, inclusive os de origem governamental- a insuficiência absoluta da contribuição do poder público ao equilíbrio fiscal de longo prazo.
A despesa pública tornou-se a grande inimiga do crescimento, pois o ímpeto gastador do setor público solapa a credibilidade do padrão monetário baseado em metas de inflação de Primeiro Mundo. Nos últimos cinco anos, o governo central continuou expandindo a despesa pública, afora juros, numa velocidade que é o dobro da taxa de crescimento do país.
Gastar menos era o desafio no período Itamar, o mesmo se repetindo, cansativamente, agora. E, dez anos antes (1985), o lema de Tancredo Neves presidente eleito era: "É proibido gastar". Só que, na fase Itamar, o financiamento da despesa pública era inflacionário. De algum modo, doía menos. Hoje, o financiamento é onerosíssimo, tanto pela derrama tributária quanto pela bola de neve financeira que engolfa permanentemente o megadevedor chamado governo. O mercado, ao menor sinal de fragilidade desse devedor desguarnecido, cogita de um novo "aumentinho" da taxa de juros básica, propagandeada pelos tradicionais arautos da virgindade monetária brasileira. Pobre real!
A moeda brasileira permanecerá frágil enquanto o governo não fizer valer sua condição de pagador soberano e de menor risco local, algo que não prevalece hoje. O potencial desse novo surto de expansão é, por enquanto, apenas uma janela de oportunidade.


Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - rabellodecastro@uol.com.br


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