|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Que fazer com o excesso de dólares?
Muitos economistas vêem
que o real valorizado está
causando mudança brusca
no tecido produtivo brasileiro
RECEBI um longo e-mail de um
leitor desta coluna sobre a associação que fiz entre o excesso de dólares em nosso mercado de
câmbio e a doença chamada de hemocromatose. Ele me cobrava uma
reflexão mais profunda sobre O
QUE FAZER para evitar os males
criados por essa exuberância de nossas contas externas. Inicio minha
resposta citando um ensinamento
de meu querido professor Rui
Aguiar da Silva Leme na Escola Politécnica de São Paulo. Dizia ele que,
"diante de um problema novo, a primeira coisa que devemos fazer é responder à questão QUAL É O PROBLEMA?". Isso é o que tenho feito,
ao longo dos últimos meses, com o
Paulo Miguel e o Fábio Ramos, economistas que trabalham comigo na
Quest.
Na busca de uma solução detalhada para essa doença de país rico que
atinge o Brasil pobre de hoje, o entendimento profundo desse fenômeno é o ponto de partida de nosso
trabalho. Muitos economistas reconhecem que a valorização do real está provocando uma mudança brusca
no tecido produtivo brasileiro, mas
respondem a essa questão com um
frio "E DAÍ?". Para eles, se há uma
força de mercado na direção da valorização do real, deve-se deixá-la livre
e assistir, sem emoção, ao fechamento de parte do setor produtivo e
à troca da oferta de bens pelas importações, principalmente as chinesas, mais baratas. Afinal, temos setores importantes que estão conseguindo se desenvolver mesmo com
o real forte. Tanto isso é verdade que
o saldo de nossa balança comercial
continua sólido, perto dos US$ 45
bilhões neste ano. Resumindo, nada
a fazer contra esse movimento.
Na visão deles, seremos um país
produtor de minério de ferro, de aço,
de níquel, de açúcar e álcool e, no futuro, de petróleo. E com os recursos
dessas exportações compraremos,
no exterior, sapatos, produtos têxteis, carros, máquinas e equipamentos e outras "cositas más" que não
mais produziremos com custos
competitivos em razão da taxa de
câmbio. Tudo se passa como se o que
a teoria econômica chama de VANTAGENS COMPARATIVAS fosse
apenas um desígnio de Deus a não
ser combatido pelos mortais. Não levam em conta que a tecnologia e a
ação inteligente do Estado permitem também aos países criar vantagens comparativas. Temos o exemplo da Embraer para mostrar com
orgulho.
Não se emocionam também com
o fato de que, se caminharmos nessa
direção, haverá uma crise de emprego, pois estaremos desenvolvendo
setores que empregam muito pouco
e eliminando outros que concentram a maior parte do emprego na
área da indústria. Sonham com o
ocorrido na Inglaterra de Margaret
Thatcher, esquecendo que não temos aqui os mecanismos de defesa
dos "sem-emprego" e que nosso nível de renda é muito menor do que
havia naquele país. Não levam em
conta que países que competem
com nossa indústria têm juros e carga tributária muito mais baixa, além
de mercado de trabalho quase escravo como a China. E, ainda, a prática
da taxa de câmbio administrada pelo governo.
Já os economistas mais heterodoxos pregam uma cruzada santa contra o real forte, com o Banco Central
mantendo a moeda desvalorizada
por meio de compras maciças nos
mercados de câmbio. Defendem essa posição lembrando o sucesso dessa política nos países asiáticos nos
anos passados e na China agora. Isso
é verdade, mas temos que qualificar
o sucesso dessa política em função
da dimensão e das características
dos mercados financeiros globalizados de hoje. Só a China, com sua ditadura temperada com um pouco de
mercado, pode, neste início de século, realizar essa tarefa com sucesso.
A saída sugerida por esse grupo, O
CONTROLE DOS CAPITAIS FINANCEIROS, não me parece operacional e não permitiria que usássemos os investidores estrangeiros como uma espécie de aríete para vencer o OLIGOPÓLIO DOS JUROS
que temos no Brasil. Com a dívida
externa minguando e o risco Brasil
em queda livre, criam-se hoje as
condições para aumentar a oferta de
crédito externo, para o setor público
e privado, no mercado financeiro
brasileiro.
Como terceira alternativa para
vencer os novos desafios, usando as
forças que valorizam nossa moeda,
sugiro um outro caminho: equilíbrio
fiscal via redução dos gastos do governo, queda da carga fiscal, juros
reais em linha com o de outras economias semelhantes à nossa, mais
investimentos produtivos e crescimento econômico e, em decorrência, mais importações complementares à nossa produção interna. Mas
volto a isso brevemente.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 63, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
Texto Anterior: 82% dos reajustes salariais batem inflação Próximo Texto: Governo quer dar isenção de IR a eletrônico Índice
|