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OPINIÃO ECONÔMICA
Motivos para não refinanciar
RENATO VILLELA
Governadores eleitos declararam que vão pleitear ao
futuro presidente a renegociação
das dívidas dos Estados com a
União. Desejam reduzir o seu serviço ao diminuir o limite máximo,
contratualmente definido, de
comprometimento de sua receita
líquida com os pagamentos mensais ao Tesouro Nacional. Vale
notar que a cláusula atual já constitui benefício significativo, pois
os Estados e municípios mais endividados teriam, nas condições
financeiras normais, um gasto
com juros e amortização bem
mais elevado.
Como é de amplo conhecimento, após a implementação dos últimos refinanciamentos, associados a programas de ajuste nos Estados e a regras genéricas de natureza fiscal, no caso dos municípios, foi notável a contribuição
desses governos ao esforço de
ajuste do setor público brasileiro.
Em 1998, o déficit primário de Estados e municípios correspondia
a 0,3% do PIB. Já em 1999, observou-se superávit de 0,2%, que aumentou para 0,7% em 2000, 1,2%
em 2001 e 1,3% até agosto de 2002,
sendo este um ano eleitoral.
Na verdade, o ajuste incluiu
também incentivos à eliminação
de importantes fatores de desequilíbrio fiscal, como os bancos
estaduais, em sua grande maioria
já privatizados, liquidados ou federalizados e em vias de privatização. Entretanto parte substancial
do resultado alcançado se deveu à
obrigatoriedade de Estados e municípios gerarem os superávits
primários requeridos para
honrarem tal pagamento. Na hipótese de redução de tal obrigatoriedade, transfere-se para a União
a responsabilidade do esforço
adicional para o cumprimento
das metas fiscais consolidadas,
compromisso já reiterado pelo
presidente eleito. Mas não é esse o
único motivo pelo qual propostas
dessa natureza não podem ser
contempladas por quem verdadeiramente se preocupa com responsabilidade fiscal.
O governo federal, ao assumir a
dívida de Estados e municípios,
sofreu impacto significativo na
sua dívida. Esse benefício foi responsável por um terço do crescimento da dívida mobiliária da
União desde 1994. Foi, ainda, concedido aos Estados e municípios
um subsídio referente ao diferencial entre a taxa Selic -custo da
dívida federal emitida para fins do
refinanciamento- e o IGP-DI +
6% ou 9% ao ano -o que é cobrado dos Estados e municípios.
Tais subsídios, ao final de setembro, acumulavam o montante de
R$ 60,5 bilhões.
Em vista desse custo e do aumento de sua dívida decorrente
dos refinanciamentos, a União
não deve abrir mão dos pouco
mais de R$ 10 bilhões que recebe
de Estados e municípios, que, integralmente direcionados para o
resgate da dívida federal, os compensam parcialmente.
Ao final de 1999, o senador José
Alencar (PL-MG) apresentou
proposta que visava a reduzir de
13% para 5% da receita líquida de
Estados e municípios o limite de
comprometimento com o serviço
de sua dívida com a União. Simulações indicam que, se tal proposta tivesse sido aprovada e vigesse
a partir de janeiro de 2000, a dívida da União seria R$ 24,2 bilhões
maior do que é hoje. Caso vigore
em 2003, tal acréscimo, ao final do
ano, será de R$ 8,2 bilhões.
Há, ainda, outros motivos pelos
quais propostas de refinanciamento devem ser descartadas.
Primeiramente, renegociação isoladamente não adianta. Sem que
ela esteja associada a compromissos firmes quanto ao ajustamento
dos fluxos fiscais e redução dos
níveis de endividamento, a repactuação da dívida apenas alivia o
caixa de Estados e municípios e
reabre espaço para novo endividamento. De 1985 para cá, foi necessário, a cada período de dois a
três anos, um novo programa de
reescalonamento de dívidas: em
1987 (lei nš 7.614); em 1989 (lei nš
7.976); em 1993 (lei nš 8.727); em
1995 (voto CMN 162, ocasião em
que, pela primeira vez, alguns
compromissos de ajustamento
fiscal foram exigidos); em 1997
(lei nš 9.496, refinanciamento de
Estados); e, por fim, em 1999 (MP
nš 2.185, refinanciamento de municípios).
Conforme já mencionado, só a
partir dos últimos refinanciamentos lograram-se resultados fiscais
animadores nos governos subnacionais. Interromper esse processo significa retornar à situação anterior, com novos e recorrentes
refinanciamentos.
Em segundo lugar, não é por
acaso que a demanda por renegociação vem de Estados que estão
constantemente na mídia como
enfrentando problemas de natureza fiscal. Diferentemente da
maioria, tais Estados não parecem ter sido capazes de transformar os benefícios decorrentes do
refinanciamento em ganhos permanentes. Hoje, pedem benefícios adicionais, que, se concedidos, sinalizarão aos demais que o
esforço de ajuste foi em vão.
Em terceiro lugar, como tal mudança fere a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), em seu art. 35,
que proíbe novas operações de
crédito, inclusive refinanciamentos entre entes da Federação, contemplar o atendimento desse pleito significa admitir alterar essa lei
complementar. A sociedade brasileira apoiou explícita e decisivamente a LRF. O complexo processo legislativo que essa alteração
ensejaria, envolvendo a obtenção
de quórum qualificado em dois
turnos de votação em ambas as
casas, submeterá o Congresso,
que ora se renova, a um significativo e desnecessário estresse com
sua base de representação.
Fica claro, portanto, que contemplar seriamente a renegociação das dívidas de Estados e municípios significa colocar em risco
todo o processo de ajuste fiscal
que a maior parte desses entes logrou realizar nos últimos sete
anos e, com isso, pôr a perder todo o esforço representado pelo
elevado custo incorrido pela
União e por aqueles que efetivamente se ajustaram. Olhando para a frente, significa, também,
romper o principal pilar de sustentação da Lei de Responsabilidade Fiscal, tão valorizada pela
sociedade brasileira.
Renato Villela, 46, economista com
mestrado na University of Illinois at Urbana-Champaign, é secretário-adjunto
do Tesouro Nacional.
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