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"Se fosse branco, teria mais oportunidades"
Negros encontram dificuldades para obter vaga e promoção, conta executivo que hoje comanda 200 funcionários de banco
"Assim como acontece
com as mulheres, às vezes
o negro tem de mostrar mais competência, estar acima da média", afirma
Bruno Miranda/Folha Imagem
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O executivo Freddy Lacerda, que comanda 200 pessoas no Itaú |
JULIANA GARÇON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Aos 53 anos, Freddy Lacerda,
superintendente de produção
em computadores do banco
Itaú, diz não se incomodar mais
com a surpresa que sua presença causa em alguns ambientes,
como em restaurantes caros.
"Depende do jeito como estou
vestido e se estou de carro."
Um dos quatro filhos de uma
família humilde -o pai era pintor, e a mãe, servente do município-, passou no vestibular
para engenharia na USP e era o
único negro entre os 600 aprovados. Entrou no banco na
mesma época, há 32 anos, como digitador. Promovido, começou a traçar uma carreira de
contínuo crescimento. Hoje, lidera uma equipe de 200 pessoas, das quais só 5 são negros.
FOLHA - Como foi o início de sua
carreira?
FREDDY LACERDA - Entrei no banco para ajudar em casa, custear
os estudos e começar a fazer a
vida. O que me favoreceu foi a
formação. Trabalhei como digitador de madrugada por quatro
meses e não estava agüentando
mais, quando fui chamado para
entrevista num recrutamento
interno. Fui para a assessoria
da gerência, cujo chefe era formado pela Poli. Fui até o quarto
ano de engenharia, mas parei e
posteriormente me graduei em
tecnologia da informação.
FOLHA - Como é ser negro num
ambiente de maioria de brancos?
LACERDA - É difícil. Embora haja uma voz corrente segundo a
qual não há discriminação, isso
não é verdade. Na Poli, a maioria me via como intruso. A pessoa não te maltrata, mas tampouco te acolhe.
FOLHA - O setor bancário é mais fechado às minorias?
LACERDA - Não, há abertura para a inserção. Se você olhar o
contingente dos bancários, verá que muitos são negros, embora a fatia esteja abaixo do
percentual de negros na PEA.
FOLHA - O sr. já foi vítima de racismo na vida profissional?
LACERDA - Não abertamente.
Mas em alguns momentos eu
achava que tinha de provar que
tinha condições, capacidade e
competência para estar ali.
FOLHA - O que mudou na questão
do racismo no Brasil?
LACERDA - Hoje o tema está colocado, e a sociedade está passando a aceitar o convívio de
forma normal, não no modelo
"Casa Grande e Senzala" [obra
do sociólogo Gilberto Freyre
que analisa a formação cultural
do brasileiro]. Negros e outras
minorias começam a ser vistos
de outra maneira.
FOLHA - O sr. acha que sua ascensão profissional seria mais rápida se
o sr. fosse branco?
LACERDA - Sim, creio que haveria mais oportunidades. Para
negros, há dificuldades no recrutamento e para ascender a
cargos de chefia. Hoje isso está
mudando, com as ações afirmativas. Mas o "modelo ideal" é o
homem alto, magro e de olhos
azuis. Ainda há empresas que
colocam, com todo o cuidado, o
perfil como um pré-requisito.
Assim como acontece com as
mulheres, às vezes o negro tem
de mostrar mais competência,
estar acima da média.
FOLHA - O sr. já teve problemas para liderar funcionários brancos?
LACERDA - Não. Modéstia à parte, o pessoal me vê como bom
gestor. Já tive outros grupos e
sempre fui bem-sucedido.
FOLHA - O que acha da política de
cotas?
LACERDA - Sou contra, pois gera
discriminação ao contrário. É
preciso gerar oportunidades
para que as pessoas mostrem
seu talento. Com a cota, o branco se sente discriminado. E surge distorção: brancos que se declaram negros. Isso gera conflito entre raças e povos.
FOLHA - Acionar empresas ou setores na Justiça é o caminho?
LACERDA - Acho que não, pois
estamos falando de atitude,
comportamento. A Justiça pode trabalhar na questão de
igualdade entre os cidadãos, como coloca Constituição. Mas
essa é uma forma de discutir o
problema. É preciso buscar as
empresas para o debate.
FOLHA - O que o sr. recomenda aos
jovens negros que estão ingressando no mercado de trabalho?
LACERDA - Ter preparação, estudo e vontade de aprender.
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