São Paulo, sábado, 18 de novembro de 2006

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"Se fosse branco, teria mais oportunidades"

Negros encontram dificuldades para obter vaga e promoção, conta executivo que hoje comanda 200 funcionários de banco

"Assim como acontece com as mulheres, às vezes o negro tem de mostrar mais competência, estar acima da média", afirma

Bruno Miranda/Folha Imagem
O executivo Freddy Lacerda, que comanda 200 pessoas no Itaú


JULIANA GARÇON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Aos 53 anos, Freddy Lacerda, superintendente de produção em computadores do banco Itaú, diz não se incomodar mais com a surpresa que sua presença causa em alguns ambientes, como em restaurantes caros.
"Depende do jeito como estou vestido e se estou de carro." Um dos quatro filhos de uma família humilde -o pai era pintor, e a mãe, servente do município-, passou no vestibular para engenharia na USP e era o único negro entre os 600 aprovados. Entrou no banco na mesma época, há 32 anos, como digitador. Promovido, começou a traçar uma carreira de contínuo crescimento. Hoje, lidera uma equipe de 200 pessoas, das quais só 5 são negros.
 

FOLHA - Como foi o início de sua carreira?
FREDDY LACERDA
- Entrei no banco para ajudar em casa, custear os estudos e começar a fazer a vida. O que me favoreceu foi a formação. Trabalhei como digitador de madrugada por quatro meses e não estava agüentando mais, quando fui chamado para entrevista num recrutamento interno. Fui para a assessoria da gerência, cujo chefe era formado pela Poli. Fui até o quarto ano de engenharia, mas parei e posteriormente me graduei em tecnologia da informação.

FOLHA - Como é ser negro num ambiente de maioria de brancos?
LACERDA
- É difícil. Embora haja uma voz corrente segundo a qual não há discriminação, isso não é verdade. Na Poli, a maioria me via como intruso. A pessoa não te maltrata, mas tampouco te acolhe.

FOLHA - O setor bancário é mais fechado às minorias?
LACERDA
- Não, há abertura para a inserção. Se você olhar o contingente dos bancários, verá que muitos são negros, embora a fatia esteja abaixo do percentual de negros na PEA.

FOLHA - O sr. já foi vítima de racismo na vida profissional?
LACERDA
- Não abertamente. Mas em alguns momentos eu achava que tinha de provar que tinha condições, capacidade e competência para estar ali.

FOLHA - O que mudou na questão do racismo no Brasil?
LACERDA
- Hoje o tema está colocado, e a sociedade está passando a aceitar o convívio de forma normal, não no modelo "Casa Grande e Senzala" [obra do sociólogo Gilberto Freyre que analisa a formação cultural do brasileiro]. Negros e outras minorias começam a ser vistos de outra maneira.

FOLHA - O sr. acha que sua ascensão profissional seria mais rápida se o sr. fosse branco?
LACERDA
- Sim, creio que haveria mais oportunidades. Para negros, há dificuldades no recrutamento e para ascender a cargos de chefia. Hoje isso está mudando, com as ações afirmativas. Mas o "modelo ideal" é o homem alto, magro e de olhos azuis. Ainda há empresas que colocam, com todo o cuidado, o perfil como um pré-requisito. Assim como acontece com as mulheres, às vezes o negro tem de mostrar mais competência, estar acima da média.

FOLHA - O sr. já teve problemas para liderar funcionários brancos?
LACERDA
- Não. Modéstia à parte, o pessoal me vê como bom gestor. Já tive outros grupos e sempre fui bem-sucedido.

FOLHA - O que acha da política de cotas?
LACERDA
- Sou contra, pois gera discriminação ao contrário. É preciso gerar oportunidades para que as pessoas mostrem seu talento. Com a cota, o branco se sente discriminado. E surge distorção: brancos que se declaram negros. Isso gera conflito entre raças e povos.

FOLHA - Acionar empresas ou setores na Justiça é o caminho?
LACERDA
- Acho que não, pois estamos falando de atitude, comportamento. A Justiça pode trabalhar na questão de igualdade entre os cidadãos, como coloca Constituição. Mas essa é uma forma de discutir o problema. É preciso buscar as empresas para o debate.

FOLHA - O que o sr. recomenda aos jovens negros que estão ingressando no mercado de trabalho?
LACERDA
- Ter preparação, estudo e vontade de aprender.


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