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ARTIGO
EUA desempenham papel que era do Terceiro Mundo
País não deve experimentar uma recessão tão severa quanto a vivida pela
Argentina, mas as origens do problema são mais ou menos as mesmas
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
MÉXICO. BRASIL . Argentina. México, de
novo. Tailândia. Indonésia. Argentina, de novo.
E, agora, os Estados Unidos.
Ao longo dos últimos 30
anos, essa história se repetiu
inúmeras vezes. Os investidores globais, desapontados com
os retornos que vinham obtendo, saem em busca de alternativas. Acreditam ter encontrado
aquilo por que procuram em algum país ou outro, e o dinheiro
começa a acorrer.
Mas, enfim, chega o momento em que se torna claro que a
oportunidade de investimento
não era tão boa assim, e o dinheiro escapa correndo, com
conseqüências desagradáveis
para o queridinho financeiro da
vez. Essa é a história de múltiplas crises financeiras na América Latina e na Ásia. E também
é a história da bolha combinada
nos setores de crédito e habitação dos Estados Unidos. Hoje
em dia, estamos desempenhando o papel que costumava ficar
reservado às economias de Terceiro Mundo.
Por motivos que explicarei
mais tarde, é improvável que os
Estados Unidos experimentem
recessão tão severa quanto, digamos, a da Argentina. Mas as
origens de nosso problema são
mais ou menos as mesmas. E
compreender essas origens
também nos ajuda a compreender de que maneira a política
econômica norte-americana
errou.
As origens mundiais de nossa
atual encrenca foram expostas
por ninguém menos que Ben
Bernanke, em um influente
discurso que ele fez no começo
de 2005, antes que fosse indicado ao comando do Federal Reserve (Fed, o banco central dos
Estados Unidos). Bernanke
propôs uma boa pergunta: "Por
que os Estados Unidos, com a
maior economia do mundo, estão tomando empréstimos descontroladamente nos mercados de capital internacionais,
em lugar de conceder empréstimos, como seria natural?".
A resposta que ele propunha
era que a explicação principal
não estava nos Estados Unidos,
mas sim no exterior. Especialmente nas economias do Terceiro Mundo, que haviam atraído muitos investidores ao longo dos anos 90, mas sofreram
forte abalo em uma série de crises financeiras iniciadas em
1997. Como resultado, elas reverteram abruptamente sua
posição e se tornaram exportadoras -e não importadoras-
de capital, já que seus governos
começaram a acumular imensas reservas de segurança em
forma de ativos internacionais.
O resultado, segundo Bernanke, era um "excedente
mundial de poupança": muito
dinheiro, e nenhum destino interessante.
Por fim, a maior parte desse
dinheiro terminou destinada
aos Estados Unidos. Por quê?
Por conta, na opinião de Bernanke, da "profundidade e da
sofisticação dos mercados financeiros do país".
Sofismas
Ele tinha razão sobre tudo isso, exceto uma coisa: o futuro
provaria que os mercados financeiros norte-americanos
são caracterizados menos pela
sofisticação do que por sofismas, termo que meu dicionário
define como "um argumento
deliberadamente inválido que
emprega raciocínio engenhoso
na esperança de iludir alguém".
Um exemplo: "Transformar
empréstimos dúbios em obrigações de dívida garantida é
uma maneira de criar uma
montanha de ativos seguros,
com classificação de crédito
AAA, que nunca enfrentarão
problemas".
Em outras palavras, os Estados Unidos não estavam perfeitamente capacitados a fazer
uso dos fundos mundiais excedentes. Em lugar disso, representavam um mercado em que
largas somas podiam ser, e foram, investidas muito mal. Direta ou indiretamente, o capital
dos investidores internacionais
que fluiu para os Estados Unidos terminou por financiar a
dupla bolha do crédito e da habitação que agora estourou,
com conseqüências dolorosas.
Como eu disse, essas conseqüências provavelmente não
serão tão dolorosas como as recessões devastadoras que convulsionaram os países do Terceiro Mundo atingidos pela
mesma síndrome. O fator salvador, para os Estados Unidos,
é que nossas dívidas estão denominadas em nossa moeda.
Isso significa que não enfrentaremos a mesma espécie de espiral da morte financeira pela
qual a Argentina passou e que
forçou uma explosão no valor
da dívida nacional, denominada em dólar, com relação aos
ativos internos.
Mas, mesmo sem os efeitos
cambiais, o próximo ano ou
dois podem se provar bastante
desagradáveis.
O que deveríamos ter feito de
diferente? Alguns críticos afirmam que o Fed ajudou a inflar a
bolha da habitação ao cortar
demais as taxas de juros. Mas
os juros estavam baixos por um
motivo: ainda que a mais recente recessão tenha acabado oficialmente em novembro de
2001, foram precisos dois anos
a mais para que a economia
norte-americana começasse a
produzir geração convincente
de empregos, e o Fed estava
preocupado sobre uma estagnação econômica prolongada à
maneira da que atingiu o Japão.
Pecado
O verdadeiro pecado, tanto
do Fed quanto do governo
Bush, foi a falta de supervisão
adulta sobre os mercados descontrolados.
Não se trata apenas da recusa
de Alan Greenspan em admitir
que havia algo mais que apenas
um pouco de "espuma" no mercado da habitação, ou sua rejeição a quaisquer medidas de
controle dos abusos no mercado de crédito imobiliário de risco ("subprime"). O fato é que, à
medida que a complexidade do
sistema financeiro norte-americano crescia, a estrutura das
regulamentações bancárias
que nos protegem se tornou insuficiente para realizar suas tarefas -mas, em lugar de esforços para atualizar a regulamentação, só ouvíamos loas às maravilhas do livre mercado.
No momento, Ben Bernanke
está em ritmo de administração de crise, tentando consertar os estragos deixados por seu
predecessor. Não tenho nada a
objetar ao seu depoimento ao
Congresso dos EUA anteontem, embora eu suspeite que já
seja tarde demais para impedir
uma recessão.
Mas devemos ter a esperança
de que, quando as coisas se assentarem, Bernanke tome a iniciativa e fale sobre o que precisa
ser feito para resolver os problemas de um sistema financeiro no qual as coisas estão muito, muito erradas.
PAUL KRUGMAN, economista, é colunista do
"New York Times" e professor na Universidade
Princeton (EUA).
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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