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ARTIGO
A armadilha mortal da dívida
Contração fiscal pode, ao menos em curto prazo, agravar mais a recessão
NOURIEL ROUBINI
ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE
A saga financeira grega é a
ponta de um iceberg de problemas de sustentabilidade de dívidas públicas em muitas das
economias avançadas, e não só
entre os chamados Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e
Espanha). De fato, a OCDE agora estima que a relação entre
dívida pública e PIB nas economias ricas chegue a uma média
de 100% do PIB.
Nos Piigs, os problemas não
são apenas os deficit públicos
excessivos e a razão elevada entre dívida e PIB. Há também
problemas de deficit externos,
perda de competitividade e, assim, de crescimento anêmico.
Essas são economias que,
mesmo uma década atrás, estavam perdendo mercado para
China e Ásia, devido às suas exportações de baixo valor adicionado e que requerem uso intensivo de mão de obra. Depois
de uma década na qual os salários cresceram mais rápido que
a produtividade, os custos por
unidade de mão de obra subiram acentuadamente. A perda
de competitividade resultante
se manifestou em deficit grandes e crescentes em conta corrente e em desaceleração no
crescimento. O toque final para
o processo foi a valorização do
euro entre 2002 e 2008.
Assim, mesmo que a Grécia e
os demais Piigs tivessem a firmeza política requerida para
reduzir fortemente os seus
grandes deficit fiscais -e isso é
bastante improvável-, a contração fiscal pode, ao menos em
curto prazo, agravar ainda mais
a atual recessão, porque impostos mais altos e gastos públicos
menores resultariam em redução da demanda agregada. Se o
PIB cair, atingir determinadas
metas de deficit e dívida se tornará impossível. Foi essa, de fato, a armadilha mortal de dívida
em que a Argentina se viu apanhada entre 1998 e 2001.
Restaurar o crescimento sustentado requer desvalorização
real da moeda. Existem só três
maneiras de realizá-la. A primeira é uma deflação que reduza preços e salários em 20% a
30%. Mas a deflação está associada a uma recessão persistente (vide uma vez mais o caso da
Argentina), e sociedade e sistema político de país algum podem aceitar anos de recessão e
austeridade fiscal a fim de obter depreciação real. Uma moratória e o abandono do euro
poderiam surgir antes disso.
O segundo caminho é seguir
o modelo alemão de aceleração
das reformas estruturais e
reestruturação empresarial, a
fim de elevar o avanço da produtividade e manter avanço
moderado dos salários. Mas demorou uma década para que a
Alemanha reduzisse o custo de
sua unidade de mão de obra,
dessa maneira; se Espanha ou
Grécia começassem o processo
hoje, os custos da realocação de
recursos em curto prazo seriam
altos, enquanto os benefícios
em termos de um crescimento
mais alto demorariam anos.
Por fim, o euro poderia cair
acentuadamente de valor. Mas
o principal beneficiário disso
seria a Alemanha. E, para que o
euro caia o bastante, o risco de
moratória da Grécia teria de ser
muito grande, e o contágio em
termos dos ágios nos títulos dos
Piigs, severo o bastante para
que o processo resultasse em
uma recessão de duplo mergulho na zona do euro, antes que a
desvalorização cambial apresentasse resultados concretos.
Caso não haja um milagre, a
Grécia parece próxima da insolvência. No início de sua crise, deficit orçamentário, dívida
pública e deficit em conta corrente da Argentina (como proporção do PIB) eram de 3%,
50% e 2%, respectivamente. Na
Grécia, os indicadores são muito piores: 12,9%, 120% e 10%.
Assim, serão necessários um
esforço hercúleo, sorte e apoio
da União Europeia e do FMI
para reduzir a chance de moratória e saída da zona do euro.
A Grécia no momento tem
uma economia interconectada
demais com as dos demais europeus para que se possa permitir seu colapso. Além disso, o
contágio na forma de ágio nos
títulos de dívida soberana dos
demais Piigs seria forte, o que
arremessaria várias dessas economias para a mesma situação.
Necessidade de apoio
Assim, a despeito da repulsa
da Alemanha e do Banco Central Europeu quanto à ideia de
um "resgate", a Grécia precisa
de forte apoio financeiro oficial
neste ano, com juros que não
sejam insustentáveis, a fim de
impedir que sua atual falta de
liquidez se transforme imediatamente em insolvência. Mas o
apoio oficial só empurrará a situação para o futuro. A combinação mágica de razões sustentáveis de dívida e deficit, desvalorização real e restauração do
crescimento dificilmente poderá ser atingida, mesmo que
haja apoio financeiro oficial.
Todos os resgates bem-sucedidos a países que enfrentavam
dificuldades financeiras, como
México, Coreia do Sul e Brasil,
dependiam de duas condições:
a disposição confiável do país
em impor a austeridade fiscal e
as reformas estruturais necessárias; e grandes montantes em
apoio oficial imediato para evitar uma crise de rolagem de dívida pública e/ou privada com
vencimento em curto prazo.
Reforma sem dinheiro na
mesa não funciona, porque investidores nervosos e precipitados tirarão seu dinheiro do
país caso ele não disponha das
reservas cambiais necessárias
para impedir o equivalente a
uma corrida bancária contra
seus passivos de curto prazo.
Assim, depois de um plano
completamente ineficaz, que
ofereceria dinheiro à Grécia
tarde demais -apenas quando
o país já estivesse em risco de
uma crise de rolagem de dívida- e a taxas de mercado que
tornariam sua dívida insustentável, a União Europeia recuperou o juízo e criou um esquema
mais parecido com um pacote
de apoio condicional do FMI:
apoio desembolsado com base
em cumprimento de metas,
com desembolsos iniciais mais
elevados e juros generosos.
Só o tempo dirá se esse plano
vai funcionar, ou seja, se a Grécia manterá a solvência apesar
da falta de liquidez, o que dependerá de austeridade fiscal e
reformas estruturais confiáveis, com a ajuda de grandes
montantes em apoio financeiro. Mas, como nos casos de Argentina, Rússia e Equador, a
Grécia também pode cair na insolvência caso o ajuste não restaure a sustentabilidade de
suas dívidas e de seu crescimento. Por enquanto, a comunidade oficial decidiu que vai
tentar o plano A; caso ele fracasse, o plano B seria uma moratória para reduzir as dívidas
insustentáveis, e o abandono
do euro pela Grécia a fim de
permitir uma desvalorização e
a restauração da competitividade e do crescimento.
NOURIEL ROUBINI é professor de Economia na
Escola Stern de Administração de Empresas,
Universidade de Nova York, e presidente da Roubini Global Economics (www.roubini.com), uma
consultoria mundial de macroeconomia.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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