São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 2006

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

México e Mercosul

Não interessa ao Mercosul a admissão de país que tem um acordo com os EUA que o transforma em dependente

O MINISTRO das Relações Exteriores do México esteve no Brasil para advogar a admissão de seu país ao Mercosul na condição de membro associado. O governo brasileiro recebeu com natural frieza a demanda. Não interessa ao Brasil e aos demais membros do Mercosul a admissão de um país que tem um acordo com os Estados Unidos que o transforma em um dependente do país maior. Já temos uma quantidade suficientemente grande de problemas dentro do Mercosul com os atuais membros, aos quais se junta agora a Venezuela, para acrescentarmos um país que há muito está dividido entre a sua solidariedade cultural com a América Latina e os interesses locais que implicam subordinação ao vizinho do Norte. O Mercosul é a iniciativa comercial mais importante que o Brasil deve e pode levar adiante. A geopolítica continua fundamental. Os europeus, preocupados com a Europa, construíram a União Européia. Os japoneses e agora os chineses dão absoluta prioridade aos países da Ásia nas suas relações comerciais e de investimento. Os próprios EUA, que são uma potência mundial, celebraram a Nafta com seus dois vizinhos. O Mercosul tem estado na berlinda nos últimos anos, principalmente porque essencialmente é até hoje um acordo bilateral entre dois países, o Brasil e a Argentina. De um lado, esses países têm apresentado uma grande instabilidade cambial, que, naturalmente, dificulta qualquer acordo; de outro, o Brasil, que vinha obtendo elevados superávits comerciais com a Argentina, recusou-se durante um bom tempo a aceitar que a Argentina pudesse contar com salvaguardas para equilibrar o fluxo de comércio, a partir da ficção de que o Mercosul é um acordo multilateral, no qual o equilíbrio da balança comercial não precisa ocorrer bilateralmente, porque acabaria ocorrendo no conjunto dos países. A essas dificuldades agora se acrescenta um outro problema. Os Estados Unidos, que não tiveram êxito em fazer uma Alca nos termos por eles pretendidos, adotaram a estratégia de dividir para governar e tenta fazer acordos bilaterais com o Uruguai, como já fizeram com outros países latino-americanos fora do Mercosul. O governo brasileiro rejeitou a Alca nos termos americanos porque não era um acordo de livre comércio, mas um acordo para limitar a capacidade dos países latino-americanos de fazerem uma política de desenvolvimento semelhante àquela que os Estados Unidos adotaram no passado (e, em certos casos, adotam até hoje). Na OMC (Organização Mundial do Comércio), o problema é o mesmo. A Rodada Uruguai foi um desastre para os países em desenvolvimento porque criou uma série de privilégios para os países ricos, como um abusivo sistema de proteção à propriedade intelectual e fortes obstáculos a uma política industrial. Agora, na Rodada Doha, os países ricos buscam resultado semelhante, mas os países em desenvolvimento estão mais atentos. Existem entre nós aqueles que se preocupam com o compromisso dos governos brasileiros com o Mercosul, a partir do raciocínio de que, dessa forma, não fazemos todos os incontáveis acordos comerciais que o México já fez depois da Nafta. Esses acordos, entretanto, não ajudaram o México, que já enfrentou uma crise de balanço de pagamentos em 1994, depreciou o câmbio então, que voltou a se apreciar em razão do acordo comercial. E o país continua a apresentar taxas de crescimento quase tão baixas quanto o Brasil. Em 1987, em plena crise da dívida externa, enquanto ministro da Fazenda, propus a formação de um G3 -a reunião de Brasil, México e Argentina- para tratar em conjunto do problema. A Argentina aderiu seriamente ao acordo, enquanto a adesão do México foi apenas formal e provisória. Logo depois abandonou a idéia e tratou de se entender com os Estados Unidos. Quando, um ano e meio depois, o Plano Brady foi adotado pelo governo americano seguindo a linha proposta pelo Brasil de securitizar a dívida com desconto, o México foi o primeiro a fazer um acordo Brady, mas aceitou um desconto irrisório -desconto esse que, naturalmente, impôs-se para os demais países. Não interessa ao Brasil ter um país com essas limitações e condicionantes no Mercosul.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 71, professor da emérito Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de " As Revoluções Utópicas dos Anos 60". Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br



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