São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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COMÉRCIO EXTERIOR
Franco Macri, presidente de grupo argentino, crê na expansão brasileira nos próximos anos
"Brasil crescerá mais que Argentina"

ANDRÉ SOLIANI
de Buenos Aires

O Brasil vai crescer mais do que a Argentina nos próximos anos, diz Franco Macri, presidente de um dos maiores grupos empresariais argentinos.
O industrial, que pretende faturar US$ 2,4 bilhões em 99, demonstra na prática acreditar nas suas previsões. Neste ano, diminuiu seus negócios no setor de alimentos na Argentina e aumentou a participação no Brasil.
Macri, 69, afirma que na Argentina não existe acesso a financiamentos de longo prazo para empresas de capital nacional, justificando o fim dos seus negócios na área de farináceos (bolachas e pastas) no vizinho brasileiro.
"No Brasil, existe um forte apoio ao empresariado local", afirmou o industrial italiano, naturalizado argentino.
Hoje, 30% do faturamento do grupo está no Brasil. Mas, em dois anos, espera faturar no Brasil o mesmo que na Argentina.
Na semana passada, o grupo Socma se desfez da Canale, dona de 5,8% do mercado de biscoitos na Argentina. Com a venda, Macri, que está no setor de correios, estradas e frigoríficos, passou a faturar na Argentina cerca de US$ 110 milhões com alimentos. Vendia antes US$ 340 milhões.
Dentro da estratégia de aumentar a presença no Brasil, adquiriu neste ano o frigorífico de carne suína e de frango Chapecó e a marca de macarrão Adria. Já possuía a Abet (chocolate e biscoitos), a Basilar e a Isabela (ambas pastas). Hoje, fatura, no Brasil, cerca de US$ 250 milhões no setor.
A seguir leia trechos da entrevista que deu à Folha.

Folha - O senhor é presidente de um dos poucos grupos argentinos que ainda estão na mão do capital nacional. Qual o segredo?
Franco Macri -
Desde a criação do Mercosul, estou tratando de me transformar num empresário do Mercosul.
Nosso projeto para os próximos dois anos é chegar a um faturamento de US$ 5 bilhões, metade no Brasil, metade na Argentina.
No Brasil, estamos muito presentes no setor de alimentos. Produzimos bolachas e macarrão. Em macarrão, somos o primeiro fabricante do Mercosul e o quarto mundial.
Na Argentina vendemos as empresa de alimentos que tínhamos. Neste momento, não há condições para uma empresa nacional investir na Argentina. Não conseguimos competir com as multinacionais instaladas no país.

Folha - O governo argentino não oferece condições para o produtor nacional?
Macri -
Para novos investimentos não existem condições. Precisávamos construir mais fábricas e de financiamento de longo prazo, com taxas de juros internacionais. Na Argentina não há acesso a crédito para o capital nacional.

Folha - No Brasil existe?
Macri -
No Brasil, nossa posição em alimentos, em farináceos, está crescendo. Possuímos a marca Adria e temos muito respaldo dos bancos brasileiros.
No Brasil, há uma grande diferença com relação à Argentina: existe um forte apoio ao empresariado local.
Existe um nacionalismo saudável. Igual a todos os países progressistas do mundo.

Folha - O senhor se sente um investidor estrangeiro?
Macri -
Eu me sinto brasileiro, não me sinto um investidor estrangeiro. Tenho três nacionalidades: italiano de nascimento e, como empresário, argentino e brasileiro. Mas pretendo ter como nacionalidade o Mercosul.

Folha - A desvalorização do real colaborou para a estratégia de expansão no Brasil?
Macri -
Outra atividade importante que temos no Brasil é no setor de carnes. Compramos o frigorífico Chapecó e estamos negociando a compra de outro muito importante. No setor de frigoríficos, a desvalorização do real é muito positiva, pois é um segmento altamente exportador.
No setor de consumo interno, não. A desvalorização é uma desvantagem, pois se perdeu rentabilidade e é preciso compensar a diferença cambial dos investimentos que fizemos em dólar.

Folha - Mas o senhor acha a desvalorização boa ou ruim?
Macri -
A verdade é que a desvalorização brasileira era necessária e teve muito êxito. A economia brasileira está em moeda local, como qualquer outro país desenvolvido.
A Argentina está mentalmente dolarizada. Se desvalorizar o peso, imediatamente os custos internos aumentam mais que a desvalorização. Por isso, a força da Argentina é o mecanismo de conversibilidade. A fortaleza brasileira é o poder de deixar flutuar o câmbio.

Folha - O senhor acha que a Argentina conseguirá crescer mantendo a conversibilidade?
Macri -
Na Argentina, o crescimento depende de uma boa gestão do próximo governo. O governo precisa fixar políticas industriais ativas para aumentar a produção industrial e aumentar o PIB (total de riquezas no país).

Folha - A Argentina fez um abertura econômica pouco racional?
Macri -
A abertura argentina era, filosoficamente, mais do que necessária. Era um país protegido e a proteção não permitiu a existência de indústrias saudáveis.
Mas devia ter sido feita uma ação paralela de políticas, que permitissem ao empresariado se estruturar, produzir e exportar. E, depois, abrir totalmente.

Folha - Em que outros negócios no Brasil o grupo Socma gostaria de entrar?
Macri -
Nos associamos com o Bradesco para nos apresentarmos nas privatizações de rodovias federais. Estamos de olho nas privatização de empresas de fornecimento de água e vamos nos preparar para competir na privatização dos correios.

Folha - O senhor pretende usar as plantas de produção de farináceos no Brasil para exportar para a Argentina?
Macri -
Não. Na parte de frigoríficos, vamos ter fábricas nos dois países. No Brasil, suínos e frangos. Na Argentina, de carne de vaca. Mas será uma única organização. Para farináceos, voltaremos para Argentina com uma fábrica.
A nova marca para a Argentina será a Adria, que vamos tratar de colocar em todo o Mercosul.
Com essa marca, vamos competir com as multinacionais. Podemos esperar do governo brasileiro condições para competir com igualdade com as multinacionais.

Folha - O governo brasileiro prevê um crescimento de 4% para 2000, e o Argentino, 3,5%. O que o senhor acha disso?
Macri -
O Brasil vai crescer muito acima das estimativas. A Argentina vai ter pelo menos esse crescimento, entre 3% e 4%. Mas não pode crescer mais.

Folha - O senhor parece mais otimista com o Brasil.
Macri -
Eu sou realista. Nosso grupo tem um departamento de análises. Vemos o Brasil crescendo mais do que a Argentina.
Brasil e Argentina deveriam sacrificar muitas coisas para crescer. Além de obter o respaldo mundial, vai permitir chegar ao pleno emprego.

Folha - Que tipo de sacrifícios os países teriam que fazer?
Macri -
Preferir usar recursos para o crescimento do que usar recursos em outros setores. Quando os recursos são escassos, alguns setores têm que se sacrificar. Nunca o crescimento. Em vez de embelezar uma cidade, é melhor deixá-la feia e tornar mais eficiente uma fábrica.

Folha - A Argentina pode sair algum dia da conversibilidade?
Macri -
A Argentina não pode sair da conversibilidade. Na formação da comunidade econômica latino-americana é possível que os economistas descubram que a conversibilidade pode ser, para todos os países, a dolarização da região.

Folha - O senhor apostaria no Brasil se a desvalorização não tivesse acontecido?
Macri -
Não é uma aposta. É um plano estratégico. Faria mesmo sem a desvalorização. No longo prazo, todas essas situações são acidentes pontuais do caminho. O importante é seguir crescendo.

Folha - Como o senhor analisa a atual crise do Mercosul? Macri - É ruim tomar decisões baseadas em interesses específicos.

Folha - O senhor apóia as medidas argentinas para calçados, têxteis e papéis?
Macri -
Não conheço o conflito e não me meto. Mas análise que deve ser feita é a que faria uma consultora internacional, sem interesses específicos.


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