São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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COMÉRCIO EXTERIOR
Onda protecionista dos parceiros enfraquece o bloco num momento crucial de sua história
Mercosul "encolhe" na negociação global

DENISE CHRISPIM MARIN
da Sucursal de Brasília

As barreiras criadas pela Argentina e as retaliações brasileiras anunciadas anteontem provocam uma "onda" protecionista sem precedentes no Mercosul, justamente no momento mais delicado de sua história.
Em princípio, o Mercosul deveria estar mergulhado, neste momento, na conclusão das discussões sobre o regime automotivo do bloco e a definição de regras para o comércio do açúcar.
Sem um ponto final nessas discussões até 31 de dezembro, o Mercosul corre o risco de se apresentar a negociações multilaterais no próximo ano como um "meio-bloco", que nem mesmo chegou a formar uma área de livre comércio perfeita, carregado de pendências internas.
Na sexta-feira à noite, o Ministério do Desenvolvimento anunciou que a partir de amanhã cerca de 400 produtos do país vizinho perderão o tratamento preferencial para ingressarem no Brasil.
A medida afeta as exportações argentinas e entre os itens prejudicados estão pelo menos quatro importantes produtos de exportação daquele país para o Brasil: petróleo, trigo, veículos e têxteis.
Claramente retaliatória, a medida foi adotada como tendo "caráter de reciprocidade", segundo a secretária de Comércio Exterior, Lytha Spíndola.
Uma das represálias consiste na suspensão, por período indeterminado, do direito de os produtos argentinos sujeitos à licença de importação não-automática escaparem desses controles e entrarem no país em 24 horas.
Em princípio, a fragilidade do Mercosul começou com a queda da atividade nas duas economias, com desvalorização do real e com o fato de os dois países terem eliminado as tarifas para todos os produtos intercambiados -menos açúcar e veículos- desde 1º de janeiro deste ano.
Os dois primeiros fatores foram desencadeados pela crise internacional e pelos déficits nas contas interna e externa dos dois países. O outro foi a consequência de um compromisso do bloco.
A trinca foi suficiente para derrubar os números do comércio bilateral.

Comércio
Conforme dados divulgados ontem pelo Ministério do Desenvolvimento, os embarques brasileiros caíram 26,9% de janeiro a agosto, em relação a igual período do ano passado. Passaram de US$ 4,628 bilhões para US$ 3,385 bilhões.
As importações de produtos argentinos sofreram mais. Tiveram queda de 28,4%, na mesma comparação, e passaram de US$ 5,305 bilhões para US$ 3,797 bilhões.
Mesmo com a retração, o Brasil amargou um déficit no comércio bilateral de US$ 412 milhões. Desde 1995, o país vem arcando com sucessivos saldos negativos no intercâmbio com seu principal parceiro do Mercosul.
De fato, esse cenário desfavorável acabou acentuado pelo contexto político vivido pela Argentina neste ano.
O país se viu mergulhado em um processo eleitoral do qual seu presidente, Carlos Menem, não conseguiu participar diretamente e foi compelido a apoiar um sucessor pouco disposto a seguir sua cartilha.
Pressionado desde o início do ano pelo empresariado, Menem ensaiou algumas medidas protecionistas no primeiro semestre. Recuou, depois da reação brasileira, mas acabou voltando à carga com a proximidade das eleições para presidente.


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