São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH

Viva a eleição!

As medidas na habitação são um primeiro passo na busca da expansão de setor vital para alavancar a economia

O PACOTE de medidas na área do financiamento imobiliário, baixado na semana passada, foi imediatamente taxado de "eleitoral". Sem dúvida, é. Qualquer medida que se tome na área habitacional tem forte impacto na vida pessoal de milhões de famílias que sonham com uma moradia própria. E isso rende votos.
Países que se prezam cuidam do crédito imobiliário não só porque atende diretamente a um anseio elementar das pessoas mas também porque é um dos mais poderosos estimuladores da economia e da criação de empregos. Não é segredo para ninguém que o crédito farto e barato alavanca os setores ligados à construção civil e impulsiona o crescimento da economia em geral.
A Fiesp lançou em agosto, em colaboração com 93 entidades da cadeia produtiva da construção, um documento elaborado pela FGV Projetos, com propostas objetivas para o setor. A principal delas refere-se à necessidade de investimentos governamentais da ordem de R$ 30 bilhões por ano no próximo quadriênio. Ao detalhar os efeitos multiplicadores da construção, o documento mostrou que, para cada R$ 10 milhões de investimentos em construção, são criados cerca de 300 postos de trabalho. Ou seja, ao longo de quatro anos, seria possível gerar 3,6 milhões de empregos com essa iniciativa. O efeito multiplicador de renda dos investimentos no setor também é elevado. Para cada R$ 1.000 investidos na construção formal, são gerados R$ 495 de renda no próprio setor, na forma de salários, rendimentos autônomos, lucros e impostos.
Nada justifica, então, que o país tenha olhado com tanto desleixo para essa área durante tanto tempo, embora disponha de importantes instrumentos de captação de recursos, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a caderneta de poupança. Um dado divulgado na semana passada pela consultoria Accenture mostra que o Brasil está anos-luz atrás de outros países em matéria de crédito imobiliário.
Aqui, o volume total de financiamento habitacional representa apenas 2% do PIB (Produto Interno Bruto), algo em torno de R$ 4,8 bilhões por ano. No México, esse índice é de 11%. No Chile, de 17%, e, na Espanha, de 44%.
O exemplo da Espanha deveria servir de referência. Em 1995, o crédito habitacional naquele país representava 17% do PIB. Os espanhóis acharam pouco e, para elevar o nível aos atuais 44%, lançaram uma série de estímulos à tomada de crédito, entre eles a redução dos juros (de 11% para 3% ao ano) e a elevação do prazo de financiamentos.
Transcorridos dez anos, a construção de habitações passou de 230 mil unidades por ano para 640 mil e houve uma queda drástica no desemprego (de 24% para 11%). Não se pode ter a pretensão, evidentemente, de esperar que o pacote de medidas da semana passada venha a alcançar semelhante êxito.
A principal novidade foi a introdução opcional dos juros prefixados no sistema. Com isso, será possível, pela primeira vez em mais de 50 anos, comprar uma casa própria e saber, no ato da assinatura do contrato de financiamento, o valor fixo da prestação a ser paga durante 15 ou 20 anos.
Se os bancos realmente aderirem a esse esquema de prefixação, ainda que a taxa de juros continue elevada (14,5% ao ano, em comparação com 3,3% na Espanha), estará aberta uma nova fase em matéria de crédito habitacional no país. O sucesso dela vai depender da crença do sistema na estabilidade econômica de longo prazo. Caso persistam dúvidas sobre riscos futuros de desarranjo inflacionário, o resultado será pífio, porque os bancos se recusarão a emprestar com juros fixos, por medo de prejuízos ao longo dos anos vindouros.
De qualquer forma, o conjunto de medidas mostra que, diferentemente do que ocorreu em mais de uma década, há um movimento favorável à reativação do crédito imobiliário. Certamente as medidas não serão suficientes para promover uma revolução na área habitacional. Mas são um primeiro passo na busca da expansão de um setor vital para alavancar a economia. Um passo eleitoreiro? Viva a eleição!


BENJAMIN STEINBRUCH, 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br


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