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ARTIGO
Resgate maior imporá custo imenso
KENNETH ROGOFF
DO "FINANCIAL TIMES"
Uma das mais extraordinárias características dos últimos
30 dias vem sendo até que ponto o dólar tem se mantido imune a uma crise financeira extraordinária. Caso os EUA fossem um país de mercado emergente, sua moeda estaria despencando e os juros sobre os títulos da dívida governamental
estariam em disparada. Em lugar disso, o dólar na verdade registra modesta alta, e as taxas
de juros sobre as notas de três
meses do Tesouro americano
são as mais baixas em 54 anos.
Mas será que esse extraordinário voto de confiança no dólar pode perdurar? Talvez, mas
à medida que os investidores
recuam e observam as profundas feridas no setor financeiro
-carro-chefe da economia dos
EUA-, as imensas necessidades de captação de seu setor público e privado e a incerteza cada vez mais maior sobre a eleição presidencial de novembro,
é difícil crer que o dólar siga defendendo seu território.
É fato que o governo dos EUA
dispõe de recursos financeiros
imensos. O total de títulos de
dívida pública americanos em
mãos privadas era de US$ 4,4
trilhões, ou menos de 32% do
PIB, no final de 2007. Isso equivale a cerca de metade da carga
de dívidas que a maioria dos
países europeus carrega. Também é verdade que a despeito
das posições cada vez mais duras das autoridades regulatórias americanas, a crise financeira já acrescentou um máximo de US$ 200 bilhões a US$
300 bilhões ao total líquido de
dívidas, levando em conta os
possíveis prejuízos causados
pela nacionalização das gigantes hipotecárias Freddie Mac e
Fannie Mae, os custos do resgate ao banco de investimento
Bear Stearns (cuja quebra em
março custou US$ 29 bilhões às
autoridades), as potenciais
conseqüências adversas dos diversos papéis de baixa qualidade que o Federal Reserve aceitou como caução para seus empréstimos dos últimos meses e,
por fim, o resgate de US$ 85 bilhões à seguradora AIG.
Caso a crise financeira acabasse hoje, os custos seriam dolorosos mas administráveis, em
certa medida equivalentes ao
custo de manter as tropas de
ocupação no Iraque por mais
um ano. Infelizmente, porém, a
crise financeira está longe de
encerrada, e é difícil imaginar
como o governo dos EUA poderia criar uma muralha de proteção contra contágio adicional
sem gastar cinco a dez vezes
mais dinheiro do que já despendeu, ou seja, uma quantia
de até US$ 2 trilhões.
É verdade que o Tesouro e o
Fed realizaram um trabalho
admirável, na semana que passou, para forçar o setor privado
a arcar com parte dos custos.
Mas, a essa altura, existe séria
possibilidade de que a crise de
crédito atinja os mercados de
títulos empresariais e de crédito ao consumidor. Apesar dos
esforços do Tesouro e do Fed,
as pressões políticas por um
resgate muito maior e pela alta
volatilidade serão irresistíveis.
É evidente que uma melhor
regulamentação também é necessária. Parece incrível que o
mercado de Credit Default
Swaps (CDS), no qual praticamente não existe transparência, tenha sido autorizado a
crescer para perto de um valor
hipotético de US$ 6,2 trilhões
ao longo de 2008, mesmo
quando já era óbvio que qualquer colapso desse mercado geraria confusão ainda maior do
que a deflagrada pelos títulos
de risco "subprime".
Temo que o sistema político
americano venha a fazer com
que o custo de salvação do sistema financeiro suba a território ainda mais elevado.
Uma grande expansão na dívida imporá imensos custos fiscais aos EUA e, por fim, prejudicará o crescimento por meio
de uma combinação entre impostos mais altos e gastos mais
baixos. E certamente tornará
mais difícil aos EUA manter
seu domínio militar, um dos
pontos de apoio do dólar.
A redução do sistema financeiro também solapará outra
das principais fundações da
economia dos EUA. E é difícil
ver como o Fed será capaz de
resistir a um período em que
permita níveis mais elevados
de inflação, já que isso oferece
uma maneira conveniente para
que os EUA deflacionem o crescente custo de suas dívidas.
É muito bom que o resto do
mundo retenha tamanha confiança na capacidade de os EUA
administrarem seus problemas, porque de outra forma a
crise seria ainda pior.
Esperemos que a resposta
política e regulatória dos EUA
continue a inspirar esse otimismo. De outra forma, a alta
acentuada dos juros e um declínio acelerado do dólar poderão
colocar os EUA em uma enrascada que muitos emergentes
conhecem bem demais.
KENNETH ROGOFF, da Universidade Harvard, é ex-economista-chefe do FMI
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