São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 2008

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ARTIGO

Resgate maior imporá custo imenso

KENNETH ROGOFF
DO "FINANCIAL TIMES"

Uma das mais extraordinárias características dos últimos 30 dias vem sendo até que ponto o dólar tem se mantido imune a uma crise financeira extraordinária. Caso os EUA fossem um país de mercado emergente, sua moeda estaria despencando e os juros sobre os títulos da dívida governamental estariam em disparada. Em lugar disso, o dólar na verdade registra modesta alta, e as taxas de juros sobre as notas de três meses do Tesouro americano são as mais baixas em 54 anos.
Mas será que esse extraordinário voto de confiança no dólar pode perdurar? Talvez, mas à medida que os investidores recuam e observam as profundas feridas no setor financeiro -carro-chefe da economia dos EUA-, as imensas necessidades de captação de seu setor público e privado e a incerteza cada vez mais maior sobre a eleição presidencial de novembro, é difícil crer que o dólar siga defendendo seu território.
É fato que o governo dos EUA dispõe de recursos financeiros imensos. O total de títulos de dívida pública americanos em mãos privadas era de US$ 4,4 trilhões, ou menos de 32% do PIB, no final de 2007. Isso equivale a cerca de metade da carga de dívidas que a maioria dos países europeus carrega. Também é verdade que a despeito das posições cada vez mais duras das autoridades regulatórias americanas, a crise financeira já acrescentou um máximo de US$ 200 bilhões a US$ 300 bilhões ao total líquido de dívidas, levando em conta os possíveis prejuízos causados pela nacionalização das gigantes hipotecárias Freddie Mac e Fannie Mae, os custos do resgate ao banco de investimento Bear Stearns (cuja quebra em março custou US$ 29 bilhões às autoridades), as potenciais conseqüências adversas dos diversos papéis de baixa qualidade que o Federal Reserve aceitou como caução para seus empréstimos dos últimos meses e, por fim, o resgate de US$ 85 bilhões à seguradora AIG.
Caso a crise financeira acabasse hoje, os custos seriam dolorosos mas administráveis, em certa medida equivalentes ao custo de manter as tropas de ocupação no Iraque por mais um ano. Infelizmente, porém, a crise financeira está longe de encerrada, e é difícil imaginar como o governo dos EUA poderia criar uma muralha de proteção contra contágio adicional sem gastar cinco a dez vezes mais dinheiro do que já despendeu, ou seja, uma quantia de até US$ 2 trilhões.
É verdade que o Tesouro e o Fed realizaram um trabalho admirável, na semana que passou, para forçar o setor privado a arcar com parte dos custos. Mas, a essa altura, existe séria possibilidade de que a crise de crédito atinja os mercados de títulos empresariais e de crédito ao consumidor. Apesar dos esforços do Tesouro e do Fed, as pressões políticas por um resgate muito maior e pela alta volatilidade serão irresistíveis.
É evidente que uma melhor regulamentação também é necessária. Parece incrível que o mercado de Credit Default Swaps (CDS), no qual praticamente não existe transparência, tenha sido autorizado a crescer para perto de um valor hipotético de US$ 6,2 trilhões ao longo de 2008, mesmo quando já era óbvio que qualquer colapso desse mercado geraria confusão ainda maior do que a deflagrada pelos títulos de risco "subprime".
Temo que o sistema político americano venha a fazer com que o custo de salvação do sistema financeiro suba a território ainda mais elevado.
Uma grande expansão na dívida imporá imensos custos fiscais aos EUA e, por fim, prejudicará o crescimento por meio de uma combinação entre impostos mais altos e gastos mais baixos. E certamente tornará mais difícil aos EUA manter seu domínio militar, um dos pontos de apoio do dólar.
A redução do sistema financeiro também solapará outra das principais fundações da economia dos EUA. E é difícil ver como o Fed será capaz de resistir a um período em que permita níveis mais elevados de inflação, já que isso oferece uma maneira conveniente para que os EUA deflacionem o crescente custo de suas dívidas.
É muito bom que o resto do mundo retenha tamanha confiança na capacidade de os EUA administrarem seus problemas, porque de outra forma a crise seria ainda pior.
Esperemos que a resposta política e regulatória dos EUA continue a inspirar esse otimismo. De outra forma, a alta acentuada dos juros e um declínio acelerado do dólar poderão colocar os EUA em uma enrascada que muitos emergentes conhecem bem demais.


KENNETH ROGOFF, da Universidade Harvard, é ex-economista-chefe do FMI


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