São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 2008

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Muito pouco, muito tarde...


Apesar das advertências, os eventos seguiram seu curso e a crise apresenta-se hoje de uma forma dramática

PRESO EM CASA por uma gripe muito forte, reli um livro sobre a crise final da 6ª República na França em 1958. A dinâmica daqueles remotos acontecimentos guarda uma incrível semelhança com o que acontece hoje nos Estados Unidos. A mesma incapacidade de refletir sobre as causas mais profundas da crise -política na França, financeira nos Estados Unidos- não permitiu ao governo Bush tomar a tempo as medidas necessárias para estancá-la. As ações do governo estão sempre atrasadas em relação aos acontecimentos, provocando um processo de mudança continuada na natureza dos problemas enfrentados.
Vejamos como ocorre essa dinâmica no caso da crise bancária norte-americana e que toma conta de outras economias. Sua origem tem duas componentes básicas. De um lado, um segmento importante do mercado financeiro americano -Wall Street- submetido a uma regulação externa muito frágil e, por isso, extremamente alavancado.
Quando quebrou, o banco de investimento Lehman Brothers tinha US$ 650 bilhões em compromissos, contra um capital de US$ 20 bilhões. Para que o leitor leigo possa avaliar esse número, basta dizer que os bancos comerciais são obrigados a seguir uma regulamentação internacional na qual essa relação não pode superar 12 vezes.
A outra componente da crise aparece com o longo período de crescimento econômico experimentado pelo mundo a partir de 2003. Nesse ambiente de grande confiança no futuro, os bancos de investimento aumentaram seus ativos financeiros de forma descontrolada, buscando valorizar suas ações. Para que isso fosse possível, passaram a comprar títulos cada vez mais complexos e de riscos de credito crescentes.
Nessa busca por ativos, foram criados derivativos lastreados por hipotecas concedidas a indivíduos com risco bancário acima dos padrões -os famosos créditos "subprime".
Essa festa terminou em abril e maio do ano passado. Os primeiros sinais de inadimplência entre os devedores "subprime" chamaram a atenção de uns poucos analistas.
Mas a maioria continuou a acreditar na segurança desses papeis de alto risco, e a crise foi se desenvolvendo lentamente nas entranhas do mercado. No inicio deste ano, os problemas ficaram visíveis a olho nu.
Os analistas mais atentos passaram então a mostrar o tamanho das perdas e os riscos que elas representavam para o futuro. Muitos defenderam uma intervenção do governo para retirar do mercado uma grande parte desses títulos tóxicos e evitar uma crise maior. Sem essa medida preventiva a desconfiança poderia se espalhar por todo o sistema e criar uma situação perigosíssima.
Mas o governo republicano do presidente Bush se opunha a essa medida. Não queria resgatar os banqueiros de Wall Street com dinheiro público. Não faltaram vozes advertindo que, se a crise não fosse estancada de imediato, no final da linha o governo seria obrigado a gastar "n" vezes mais recursos para evitar uma catástrofe social.
E, como na França da 6ª República, os eventos seguiram seu curso e a crise apresenta-se hoje de uma forma dramática. No momento em que escrevo esta coluna, o presidente Bush veio a público dizer que o governo fará o necessário para resgatar a confiança no sistema bancário norte-americano. Nada como uma dura crise para que liberais extremados busquem no pensamento keynesiano as soluções para seus problemas.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 65, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
lcmb2@terra.com.br


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