São Paulo, sábado, 19 de outubro de 2002

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LUÍS NASSIF

O PT e o mercado de capitais

A inda faltam detalhes a serem conhecidos na recente proposta do PT de criação de um sistema de investimento no mercado de capitais com base nos recursos dos fundos sociais. A proposta explora com competência dois trunfos aos quais a gestão Fernando Henrique Cardoso jamais recorreu: o sistema de consultas à sociedade, para a incorporação de boas idéias; e a ênfase na modernização da produção.
Assim como nas empresas, há três formas de gestão para países: as ruinosas, as conformadas e as revolucionárias. Os anos 90 mudaram a face do país. Erros foram cometidos, assim como acertos. Evito as condenações peremptórias para não dar alimento aos que pretendem salgar a terra depois do dia 1º de janeiro. Mas foi uma década conformada apenas que será conhecida como a década das oportunidades perdidas. Com a liquidez internacional existente e o país inteiro por construir, aberto a novas idéias, poderia ter sido moldada uma nação amplamente competitiva.
Não se chegou ao que poderia ter sido, em parte devido à total incapacidade dos governantes -Collor, Itamar e FHC- de ousar idéias criativas. E, com exceção de Collor, de tomar decisões tendo como foco o aumento da competitividade.
No início dos anos 90 surgiu a idéia de montar um grande encontro de contas (de dívidas cruzadas de União, Estados e municípios com fundos sociais), permitindo aos fundos se capitalizarem, participando do processo de privatização. Isso resultaria em grandes empresas públicas com capital pulverizado, criaria um mercado de capitais relevantes e ainda haveria recursos para resolver o maior dos problemas: a capitalização da Previdência, permitindo mudar do sistema atual de repartição simples para o de capitalização.
Não prosperou por conta de falta de ousadia dos governantes e dos enormes interesses envolvidos na política monetária e na própria privatização. Em vão se tentou levantar essa bandeira. A opinião pública, os políticos, os governantes só tinham olhos para "pacotes", para a visão simplista de que um país se constrói apenas estabilizando os preços e abrindo a economia.
Logo no início da campanha presidencial mexicana, afirmei aqui que Vicente Fox representava o novo paradigma do governante latino-americano, por sua ênfase nos aspectos gerenciais, no planejamento estratégico indicativo, na busca da competitividade sistêmica do país.
Por aqui, o país avançou no plano institucional, mas no da competitividade e da produção pouco se fez. Melhoraram as antigas estatais, agora privatizadas, foram lançadas as bases para uma integração da logística, conseguiu-se investimento relevante de multinacionais, estimuladas pela extraordinária liquidez financeira dos anos 90. Mas nunca se teve verdadeiramente o foco na produção, na competitividade, na preparação do país para entrar na batalha da globalização, naquilo que é fundamental para o desenvolvimento sustentado, como a modernização do mercado de capitais, o estímulo aos fundos de investimento, a articulação das cadeias produtivas, a ênfase na inovação.
O PT recolheu parte de uma idéia, das muitas que surgiram nos anos 90 e definharam por falta de compreensão nacional sobre o verdadeiro foco das políticas econômicas. Não se sabe se, no poder, o partido irá ousar, irá garimpar novas idéias e soluções. Se ousar avançar além das soluções convencionais, não embarcar na arrogância intelectual que cegou muitas vezes o atual governo, haverá muita coisa a construir.

Juros
Fernando Henrique Cardoso e Pedro Malan foram comunicados da elevação dos juros apenas depois de a decisão ter sido tomada.

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