São Paulo, sexta-feira, 19 de outubro de 2007

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Subfaturamento chegava a 70%, diz PF

De acordo com relatório da Operação Persona, matriz da Cisco, nos Estados Unidos, orquestrava suposto esquema de sonegação

Segundo a polícia, empresa americana estabelecia metas de vendas para a filial brasileira que levavam em conta o subfaturamento

MARIO CESAR CARVALHO
EM SAN FRANCISCO

A Cisco brasileira subfaturava a importação de produtos de informática e de telecomunicações em até 70%, segundo um relatório da Operação Persona obtido pela Folha. O valor a menos aparecia em documentos fiscais do fabricante americano como uma espécie de desconto para a empresa, também americana, que remetia os produtos para o Brasil. O subfaturamento variava de 40% a 70%, afirma o documento da polícia.
Esse não era o único artifício usado para subfaturar o valor das importações, de acordo com a Polícia Federal. A empresa americana que exportava os produtos para o Brasil reduzia na nota fiscal o preço do hardware, porque seu imposto é mais alto, e elevava o valor do software, que paga tributos menores. Todo o esquema visava sonegar o pagamento de impostos no Brasil, dizem os policiais envolvidos numa investigação que durou dois anos.
O esquema que a Cisco controlava importou US$ 362 milhões entre 2004 e maio de 2007, segundo dados do relatório. O valor corresponde a R$ 724 milhões quando se corrige o dólar por R$ 2, uma cotação conservadora para esse período, segundo a própria PF. Como as multas da Receita podem chegar a 100%, o valor das infrações administrativas deve ultrapassar R$ 1,5 bilhão, ainda de acordo com o relatório.
A própria Cisco nunca aparece no esquema, segundo a PF. Os US$ 362 milhões foram importados por um grupo de quatro empresas -Brastec, Prime, ABC e Waytec. As três primeiras estão em nome de laranjas, de pessoas que nem renda têm para importar máquinas de milhões de dólares, de acordo com a PF. Entre os laranjas, os policiais encontraram vendedores ambulantes, pedreiros e operadores de telemarketing. Já a Waytec faz monitores de cristal líquido numa fábrica que emprega tecnologia de ponta. Os policiais acreditam que ela tenha aceitado participar do esquema supostamente fraudulento porque a Cisco vendia os monitores com os seus equipamentos.
O quarteto de empresas trabalhava para a Mude, que se apresentava como revendedora de equipamentos da Cisco no Brasil, mas era controlada pela própria empresa americana, de acordo com a PF. A Cisco System Inc., cuja sede fica em San Jose, no Vale do Silício, na Califórnia, orquestrava toda a fraude, diz o relatório. O comando da Cisco System Inc. era tão evidente, de acordo com a PF, que a empresa gerenciava o braço americano da operação e estabelecia metas de vendas para a filial brasileira que levavam em conta o subfaturamento. Em resposta a essa acusação, a Cisco diz que colabora com a investigação da PF.
O uso de empresas em nome de laranjas e de offshores com sede em paraísos fiscais como Panamá e Ilhas Virgens Britânicas tinha como objetivo ocultar que era a Cisco quem comandava a exportação e a importação com preços fraudados, aponta a PF. A rede de empresas funcionava como um biombo que ocultaria a Cisco.

Logística "tabajara"
Se o esquema nos EUA e nos paraísos fiscais recorria a alguns artifícios sofisticados, o trâmite de produtos no Brasil seguia um caminho em que as noções elementares de logística foram jogadas no lixo. O mercado principal da Cisco era em São Paulo, mas os produtos não vinham diretamente para o Estado. Antes de chegar ao destino final, eles passavam por duas aduanas na Bahia.
O caminho torto tem uma explicação: a South, empresa que cuidava dos desembaraços em Salvador, tinha uma relação íntima com agentes da Receita Federal, o que facilitava a suposta fraude. Produtos que deveriam ir para Ilhéus, onde foram registradas a Prime e a Brastec, nem passavam por essa cidade baiana. Saíam do avião que vinha dos EUA, passavam pela aduana, retornavam ao avião e seguiam para São Paulo. A Bahia era usada porque o Estado isenta o pagamento de ICMS para produtos que são industrializados por lá. No caso da Cisco, segundo a PF, não havia industrialização: os produtos eram só maquiados.
O uso de empresas de laranjas em importação é um subproduto das mudanças na legislação ocorridas em 2001. Nesse ano, foi criada uma nova figura jurídica, a importação por conta e ordem de terceiros. Com essa modalidade, uma rede de lojas, por exemplo, pode terceirizar o desembaraço na aduana, o que, em tese, reduz o preço do produto. Segundo a lei, a empresa que ordena a importação sofre as mesmas penas que aquela que cuida do negócio no exterior e na alfândega. Essa é uma das razões pelas quais o uso de laranjas tem crescido.


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