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Subfaturamento chegava a 70%, diz PF
De acordo com relatório da Operação Persona, matriz da Cisco, nos Estados Unidos, orquestrava suposto esquema de sonegação
Segundo a polícia, empresa americana estabelecia metas de vendas para a filial brasileira que levavam em conta o subfaturamento
MARIO CESAR CARVALHO
EM SAN FRANCISCO
A Cisco brasileira subfaturava a importação de produtos de
informática e de telecomunicações em até 70%, segundo um
relatório da Operação Persona
obtido pela Folha. O valor a
menos aparecia em documentos fiscais do fabricante americano como uma espécie de desconto para a empresa, também
americana, que remetia os produtos para o Brasil. O subfaturamento variava de 40% a 70%,
afirma o documento da polícia.
Esse não era o único artifício
usado para subfaturar o valor
das importações, de acordo
com a Polícia Federal. A empresa americana que exportava
os produtos para o Brasil reduzia na nota fiscal o preço do
hardware, porque seu imposto
é mais alto, e elevava o valor do
software, que paga tributos
menores. Todo o esquema visava sonegar o pagamento de impostos no Brasil, dizem os policiais envolvidos numa investigação que durou dois anos.
O esquema que a Cisco controlava importou US$ 362 milhões entre 2004 e maio de
2007, segundo dados do relatório. O valor corresponde a R$
724 milhões quando se corrige
o dólar por R$ 2, uma cotação
conservadora para esse período, segundo a própria PF. Como as multas da Receita podem chegar a 100%, o valor das infrações administrativas deve
ultrapassar R$ 1,5 bilhão, ainda
de acordo com o relatório.
A própria Cisco nunca aparece no esquema, segundo a PF.
Os US$ 362 milhões foram importados por um grupo de quatro empresas -Brastec, Prime,
ABC e Waytec. As três primeiras estão em nome de laranjas,
de pessoas que nem renda têm
para importar máquinas de milhões de dólares, de acordo
com a PF. Entre os laranjas, os
policiais encontraram vendedores ambulantes, pedreiros e
operadores de telemarketing.
Já a Waytec faz monitores de
cristal líquido numa fábrica
que emprega tecnologia de
ponta. Os policiais acreditam
que ela tenha aceitado participar do esquema supostamente
fraudulento porque a Cisco
vendia os monitores com os
seus equipamentos.
O quarteto de empresas trabalhava para a Mude, que se
apresentava como revendedora de equipamentos da Cisco
no Brasil, mas era controlada
pela própria empresa americana, de acordo com a PF. A Cisco
System Inc., cuja sede fica em
San Jose, no Vale do Silício, na
Califórnia, orquestrava toda a
fraude, diz o relatório. O comando da Cisco System Inc.
era tão evidente, de acordo
com a PF, que a empresa gerenciava o braço americano da
operação e estabelecia metas
de vendas para a filial brasileira
que levavam em conta o subfaturamento. Em resposta a essa
acusação, a Cisco diz que colabora com a investigação da PF.
O uso de empresas em nome
de laranjas e de offshores com
sede em paraísos fiscais como
Panamá e Ilhas Virgens Britânicas tinha como objetivo ocultar que era a Cisco quem comandava a exportação e a importação com preços fraudados, aponta a PF. A rede de empresas funcionava como um
biombo que ocultaria a Cisco.
Logística "tabajara"
Se o esquema nos EUA e nos
paraísos fiscais recorria a alguns artifícios sofisticados, o
trâmite de produtos no Brasil
seguia um caminho em que as
noções elementares de logística foram jogadas no lixo. O
mercado principal da Cisco era
em São Paulo, mas os produtos
não vinham diretamente para o
Estado. Antes de chegar ao destino final, eles passavam por
duas aduanas na Bahia.
O caminho torto tem uma explicação: a South, empresa que
cuidava dos desembaraços em
Salvador, tinha uma relação íntima com agentes da Receita
Federal, o que facilitava a suposta fraude. Produtos que deveriam ir para Ilhéus, onde foram registradas a Prime e a Brastec, nem passavam por essa cidade baiana. Saíam do
avião que vinha dos EUA, passavam pela aduana, retornavam ao avião e seguiam para
São Paulo. A Bahia era usada
porque o Estado isenta o pagamento de ICMS para produtos
que são industrializados por lá.
No caso da Cisco, segundo a PF,
não havia industrialização: os
produtos eram só maquiados.
O uso de empresas de laranjas em importação é um subproduto das mudanças na legislação ocorridas em 2001. Nesse ano, foi criada uma nova figura
jurídica, a importação por conta e ordem de terceiros. Com
essa modalidade, uma rede de
lojas, por exemplo, pode terceirizar o desembaraço na aduana,
o que, em tese, reduz o preço do
produto. Segundo a lei, a empresa que ordena a importação
sofre as mesmas penas que
aquela que cuida do negócio no
exterior e na alfândega. Essa é
uma das razões pelas quais o
uso de laranjas tem crescido.
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