São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008

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FABIO GIAMBIAGI

Equívocos sobre a questão fiscal


Em matéria fiscal, a verdade é que se continua gastando muito, quando a prudência recomendaria o oposto

AO CONTRÁRIO do que aconteceu em episódios anteriores de desaceleração da economia, os problemas que o lado real está experimentando são claramente originados no exterior e é inegável que o Brasil está mais bem preparado do que em outras ocasiões para enfrentar as conseqüências de problemas vindos de fora.
É evidente que termos superávit primário de mais de 4% do PIB ajuda a encarar em melhores condições uma situação adversa como a que estamos assistindo. Mesmo assim, e deixando de lado questões centrais da crise, ligadas à arquitetura das finanças internacionais, que extrapolam o raio de influência do país e vão além da esfera de competência deste articulista, é preciso deixar claro que, no campo fiscal, nosso desempenho deixa a desejar em relação ao que tem sido alardeado.
O ponto a ressaltar é que, ao lado do tamanho do superávit primário, outro indicador importante da qualidade da política fiscal é o que acontece com o gasto primário. Nesse sentido, as autoridades têm dito que o Brasil estaria se comportando muito bem diante da crise, uma vez que a despesa estaria crescendo abaixo do crescimento do PIB. É sobre esse ponto que há algumas considerações a fazer.
Em primeiro lugar, essa espécie de exercício de auto-engano foi sustentado durante alguns meses pela prática usual de, na ausência de divulgação de dados mensais do PIB por parte do IBGE, as estatísticas oficiais que apuram as variáveis fiscais como percentual do PIB usarem o IGP como "proxy" da evolução dos preços, algo que é acertado a cada três meses, quando o IBGE divulga regularmente o PIB trimestral a preços correntes. No primeiro semestre do ano, com a disparada do IGP, isso gerou a crença de que a despesa estaria crescendo menos do que o PIB, conclusão -errada- que decorria apenas de um efeito estatístico que seria rapidamente corrigido.
Em segundo lugar, há que se analisar o que tem acontecido no ano, mas também o que se tem em perspectiva para a execução orçamentária até o final do exercício. A despesa em algumas rubricas foi em parte contida até recentemente, mas apenas porque as decisões de aumento com pessoal só agora começarão a incidir com mais força, uma vez que os aumentos começarem a se fazer sentir, incidindo sobre as folhas salariais a serem pagas até o final do ano. Conseqüentemente, o aumento do gasto real com pessoal no ano como um todo será maior do que o incremento percentual verificado até agosto (a mais recente informação disponível).
Em terceiro lugar, não se devem analisar apenas as despesas sem as transferências para Estados e municípios, e sim o gasto primário como um todo. O fato então é que, quando se observa o total do dispêndio primário do governo central, deflacionado pelo IPCA e incluindo as transferências para Estados e municípios, no período janeiro/agosto, a variável teve um salto real de 8% em relação aos mesmos meses de 2007, crescimento esse que não pode ser qualificado exatamente como exemplo de austeridade.
Por último, o mais preocupante é o que está por vir em 2009, quando, pela própria informação oficial no projeto de lei orçamentária enviada ao Congresso em agosto, apenas a soma das despesas com pessoal e benefícios do INSS acarretará variação do gasto de mais 0,5% do PIB em relação a 2008, em razão de decisões discricionárias tomadas no entusiasmo da época das "vacas gordas".
Em resumo: em matéria fiscal, a verdade nua e crua é que continuamos gastando muito e aprovando mais gastos, exatamente quando a prudência recomendaria o oposto.


FABIO GIAMBIAGI, 46, mestre em economia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é economista do BNDES e autor do livro "Finanças Públicas: Teoria e Prática no Brasil", entre outras obras.

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