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ADMINISTRAÇÃO
Gestão centraliza poder
e modifica estrutura
GABRIELA WOLTHERS
DA SUCURSAL DO RIO
No dia 5 de novembro, o então
presidente do BNDES, Carlos Lessa, pediu permissão a seu médico
para tomar um cálice de vinho do
porto. Queria comemorar a 70ª
vez em que a imprensa anunciara
a sua iminente demissão. Desde
que operou o joelho, em 8 de outubro, estava proibido de beber.
Nenhum integrante do governo
de Luiz Inácio Lula da Silva teve
tantas vezes sua cabeça a prêmio
como Lessa. Desta vez, a 74ª se as
suas contas estiverem certas, não
resistiu. É como se ele tivesse sido
"demitido" a cada nove dias dos
674 de sua gestão.
Nos quase 23 meses à frente do
BNDES, Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa,
68, 31º presidente da instituição,
bateu de frente com o ministro da
Fazenda, Antonio Palocci; com o
presidente do Banco Central,
Henrique Meirelles; com o ministro do Desenvolvimento, Luiz
Fernando Furlan; com o secretário do Tesouro, Joaquim Levy.
Orgulhava-se de manter linha
direta com o ministro-chefe da
Casa Civil, José Dirceu, e perfilava-se entre os contrários ao rumo
da política econômica impingido
pela equipe de Palocci.
Cansado dos atritos de Lessa,
Dirceu entregou-o à própria sorte
em outubro passado. O último
defensor que lhe restou foi o senador Aloizio Mercadante, líder do
governo no Congresso e um dos
padrinhos de sua nomeação, mas
que, na semana passada, dava o
embate como perdido.
Lessa chegou à presidência do
BNDES apoiado no prestígio da
professora e ex-deputada Maria
da Conceição Tavares. Único carioca com real poder no governo
Lula, o nacionalista Lessa teve como inspirador de sua atuação à
frente do BNDES o presidente Getúlio Vargas (1883-1954), criador
do banco que veio a dirigir.
"Com Vargas, nos vimos realmente como nação", escreveu
Lessa na Folha de 22 de agosto
deste ano, em que se comemorou
50 anos de sua morte.
Crente na diretriz de que o Estado deve assumir papel fundamental no desenvolvimento do
país, Lessa considerava que o
BNDES não devia só dar empréstimos a empresas que o procurassem. Deveria "selecionar os protagonistas da economia".
Sua posição ficou clara na reunião do conselho de administração do banco de 27 de novembro
do mesmo ano, quando travou
áspera discussão com Furlan. O
ministro questionou, por diversas
vezes, o fato de o BNDES estar cada vez mais interferindo na gestão
de empresas, enquanto Lessa defendia maior presença do Estado
nas companhias privadas.
"É intenção do banco interferir
na gestão das companhias em todos os segmentos nos quais o Brasil possa exercer sua presença como economia nacional do mundo", diz Lessa a certa altura.
O conflito entre Furlan e Lessa
chegou ao ápice em carta na qual
o presidente do BNDES afirmou
que o banco é "vinculado", mas
não subordinado ao Ministério da
Fazenda. Dizia que cumpria as
orientações do presidente Lula,
como forma de recusar sua subordinação ao ministro.
Economista formado pela UFRJ
e com doutorado pela Unicamp,
Lessa foi diretor do BNDES na década de 80. Foi professor da Cepal
(Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe), órgão
da ONU, de 1962 a 1964, e deu aulas de planificação econômica no
Chile, Nicarágua e El Salvador,
entre 1965 e 1968.
Em 2002, foi eleito reitor da
UFRJ pela comunidade universitária. É autor de 12 livros e proprietário de uma biblioteca de
mais de 20 mil volumes, a maioria
sobre história do Brasil.
Ao assumir o banco, era filiado
ao PMDB, mas nunca foi da chamada cota do partido, do qual se
desfiliou no ano passado.
Mudanças na estrutura
Desde o primeiro dos seus 674
dias à frente do BNDES, Lessa
promoveu mudanças fortes em
sua estrutura. Escolheu como vice-presidente o engenheiro Darc
Antonio da Luz Costa, ex-superintendente de relações institucionais do banco no final da década de 80, funcionário de carreira
do BNDES, mas cedido à ESG (Escola Superior de Guerra).
Darc foi um dos principais canais de Lula com grupos militares, em especial o general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do
Exército no governo José Sarney.
Lessa centralizou poder, diminuindo o número de superintendências de 25 para 12. Só três dirigentes da gestão anterior foram
mantidos nos cargos. E mesmo
estes caíram ao longo do tempo.
Com tantas mudanças, o banco
sofreu paralisia. No primeiro trimestre de 2003, as aprovações de
empréstimos caíram 65% em relação ao mesmo período de 2002,
último ano do governo FHC. Acumulou prejuízos de cerca de R$
500 milhões, após fechar 2002
com um lucro de R$ 550 milhões.
O resultado negativo deveu-se à
situação de inadimplência de três
grande clientes: as elétricas AES e
Southern Electric (dos EUA) e o
frigorífico Chapecó (SC). Elas deviam ao banco R$ 4,8 bilhões.
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