São Paulo, sexta-feira, 19 de novembro de 2004

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ADMINISTRAÇÃO

Gestão centraliza poder e modifica estrutura

GABRIELA WOLTHERS
DA SUCURSAL DO RIO

No dia 5 de novembro, o então presidente do BNDES, Carlos Lessa, pediu permissão a seu médico para tomar um cálice de vinho do porto. Queria comemorar a 70ª vez em que a imprensa anunciara a sua iminente demissão. Desde que operou o joelho, em 8 de outubro, estava proibido de beber.
Nenhum integrante do governo de Luiz Inácio Lula da Silva teve tantas vezes sua cabeça a prêmio como Lessa. Desta vez, a 74ª se as suas contas estiverem certas, não resistiu. É como se ele tivesse sido "demitido" a cada nove dias dos 674 de sua gestão.
Nos quase 23 meses à frente do BNDES, Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa, 68, 31º presidente da instituição, bateu de frente com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci; com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles; com o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan; com o secretário do Tesouro, Joaquim Levy.
Orgulhava-se de manter linha direta com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e perfilava-se entre os contrários ao rumo da política econômica impingido pela equipe de Palocci.
Cansado dos atritos de Lessa, Dirceu entregou-o à própria sorte em outubro passado. O último defensor que lhe restou foi o senador Aloizio Mercadante, líder do governo no Congresso e um dos padrinhos de sua nomeação, mas que, na semana passada, dava o embate como perdido.
Lessa chegou à presidência do BNDES apoiado no prestígio da professora e ex-deputada Maria da Conceição Tavares. Único carioca com real poder no governo Lula, o nacionalista Lessa teve como inspirador de sua atuação à frente do BNDES o presidente Getúlio Vargas (1883-1954), criador do banco que veio a dirigir.
"Com Vargas, nos vimos realmente como nação", escreveu Lessa na Folha de 22 de agosto deste ano, em que se comemorou 50 anos de sua morte.
Crente na diretriz de que o Estado deve assumir papel fundamental no desenvolvimento do país, Lessa considerava que o BNDES não devia só dar empréstimos a empresas que o procurassem. Deveria "selecionar os protagonistas da economia".
Sua posição ficou clara na reunião do conselho de administração do banco de 27 de novembro do mesmo ano, quando travou áspera discussão com Furlan. O ministro questionou, por diversas vezes, o fato de o BNDES estar cada vez mais interferindo na gestão de empresas, enquanto Lessa defendia maior presença do Estado nas companhias privadas.
"É intenção do banco interferir na gestão das companhias em todos os segmentos nos quais o Brasil possa exercer sua presença como economia nacional do mundo", diz Lessa a certa altura.
O conflito entre Furlan e Lessa chegou ao ápice em carta na qual o presidente do BNDES afirmou que o banco é "vinculado", mas não subordinado ao Ministério da Fazenda. Dizia que cumpria as orientações do presidente Lula, como forma de recusar sua subordinação ao ministro.
Economista formado pela UFRJ e com doutorado pela Unicamp, Lessa foi diretor do BNDES na década de 80. Foi professor da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), órgão da ONU, de 1962 a 1964, e deu aulas de planificação econômica no Chile, Nicarágua e El Salvador, entre 1965 e 1968.
Em 2002, foi eleito reitor da UFRJ pela comunidade universitária. É autor de 12 livros e proprietário de uma biblioteca de mais de 20 mil volumes, a maioria sobre história do Brasil.
Ao assumir o banco, era filiado ao PMDB, mas nunca foi da chamada cota do partido, do qual se desfiliou no ano passado.

Mudanças na estrutura
Desde o primeiro dos seus 674 dias à frente do BNDES, Lessa promoveu mudanças fortes em sua estrutura. Escolheu como vice-presidente o engenheiro Darc Antonio da Luz Costa, ex-superintendente de relações institucionais do banco no final da década de 80, funcionário de carreira do BNDES, mas cedido à ESG (Escola Superior de Guerra).
Darc foi um dos principais canais de Lula com grupos militares, em especial o general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército no governo José Sarney.
Lessa centralizou poder, diminuindo o número de superintendências de 25 para 12. Só três dirigentes da gestão anterior foram mantidos nos cargos. E mesmo estes caíram ao longo do tempo.
Com tantas mudanças, o banco sofreu paralisia. No primeiro trimestre de 2003, as aprovações de empréstimos caíram 65% em relação ao mesmo período de 2002, último ano do governo FHC. Acumulou prejuízos de cerca de R$ 500 milhões, após fechar 2002 com um lucro de R$ 550 milhões.
O resultado negativo deveu-se à situação de inadimplência de três grande clientes: as elétricas AES e Southern Electric (dos EUA) e o frigorífico Chapecó (SC). Elas deviam ao banco R$ 4,8 bilhões.


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