São Paulo, sexta-feira, 19 de novembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os riscos da inflação

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A decisão do Copom (Comitê de Política Monetária), de aumentar em mais 0,5 ponto percentual a taxa Selic, jogou mais lenha na fogueira do debate sobre a questão dos juros, neste final de 2004. De um lado, os empresários que reclamam desse novo arrocho monetário, no momento em que o mercado interno inicia um período mais sólido de crescimento; do outro, os economistas de corte mais ortodoxo, que defendem a prioridade absoluta na busca da meta para a inflação fixada para 2005 como única forma de evitar a perda definitiva da credibilidade de nossa autoridade monetária.
Entre essas duas posições polares, encontramos um espaço para um debate mais racional sobre a questão principal que está por trás da ação do Banco Central: o comportamento da inflação nesta virada de ano e ao longo de 2005. É o que pretendo fazer a seguir! Inicialmente, vamos separar o problema em duas componentes distintas e que, na maioria das análises, aparecem confundidas em uma única questão. A primeira é a busca da meta de inflação de 5,1%, fixada para 2005 pelo próprio Copom; a outra é como enfrentar as pressões de preços que estão aparecendo, principalmente em setores da indústria, em razão do elevado volume de nossas exportações, e o aumento do consumo doméstico que está se consolidando nestes últimos meses.
A busca da meta de inflação para 2005 é uma batalha perdida! Isso até as pedras e a quase totalidade dos economistas que acompanham a economia brasileira já sabem! Basta uma conta simples para chegar a essa conclusão. Os IGPs, que são os principais indicadores usados nos contratos de preços com correção anual, devem terminar o ano na faixa dos 12%. Ao fim do primeiro semestre, devem cair para algo como 10,5%. Serão valores nesse intervalo que vão corrigir os preços administrados e monitorados -que representam algo como 35% do IPCA- ao longo do ano. Isso para não falar no aumento das tarifas de ônibus, depois de mais de dois anos congeladas, que devem representar um pequeno choque de preços para o consumidor já em janeiro.
Com isso, já temos uma inflação contratada da ordem de 3,3% para a cesta de consumo do brasileiro. Os preços livres, que representam os outros 65% da cesta de consumo, deveriam crescer, portanto, algo como 1,8% ao longo do ano, ou seja, 0,15% ao mês. Mesmo para que a inflação de 2005 fique dentro das estimativas do mercado financeiro de 5,9%, os preços livres não poderão crescer mais do que 0,22% ao mês, em média, ao longo de seus 12 meses. Basta um olhar ligeiro para o comportamento desses preços, ao longo dos últimos anos, para perceber o caráter heróico dessas projeções.
Portanto, a questão central, envolvendo a busca da meta de inflação, é muito mais saber quando o Banco Central vai capitular à realidade e qual o custo, em termos de crescimento econômico, em que o governo vai incorrer.
Voltemos, agora, nossos olhos para o segundo problema, esse, sim, de natureza econômica, que é o aparecimento de uma inflação de demanda por conta do cobertor curto da oferta em setores importantes da indústria. Aqui temos uma questão interessante e que merece uma reflexão mais técnica. As expectativas sobre nosso volume de exportações em 2005 são otimistas. Os preços de uma cesta importante de nossa pauta de exportações devem continuar sustentados pelo crescimento da China e de outros países da Ásia. Não se espera uma nova rodada de aumentos, como aconteceu neste ano, mas o cenário de uma queda brusca não está no horizonte do mercado.
Nessa hipótese, e com as vantagens fiscais e financeiras que as exportações apresentam para as empresas brasileiras, não deve ocorrer uma redução do esforço exportador. Nossas exportações devem continuar representando cerca de 20% do PIB. A novidade, para 2005, é que o consumidor brasileiro, com o nível de emprego em alta e com a recuperação dos salários, vai aumentar sua participação no bolo da oferta de bens e serviços. Nessa situação, a capacidade das empresas de aumentar suas margens cresce, e os aumentos de preços devem se tornar mais freqüentes. Embora as importações coloquem um teto para esse processo, a necessidade de chegar a um aumento mensal da ordem de 0,20% ao mês, nos preços livres, fica ainda mais distante.
Sinal dessa dificuldade é o fato de os núcleos dos índices de preços ao consumidor continuarem, neste fim de ano, acima de 0,5% ao mês. Os próximos meses serão quentes no campo da inflação e dos juros.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 62, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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