|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
Indemissível
Um intelectual é ele e
suas idéias. Um executivo é ele e sua organização. Há
sempre limites institucionais
para o discurso do executivo.
Em seus dois anos como presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social), o economista Carlos Lessa ignorou esses limites e jamais abdicou de
sua condição de intelectual.
Residem aí sua maior virtude
e seu maior defeito.
O defeito foi a inadequação
para a gestão (típica dos intelectuais) e o pensamento templário que marcou suas ações.
Um executivo trataria de
montar o modelo de gestão do
banco. O intelectual quer mudar a cabeça, criar seguidores.
Por isso, a transição do banco
foi tumultuada e gerou desgaste inútil.
Fora do banco, a metralhadora giratória de Lessa lhe
custou muitos inimigos e muita dispersão de energia. Não
sabia diferenciar adversário
de idéias de adversários partidários. Falava com tal contundência que a forma acabava atrapalhando a melhor
compreensão do conteúdo. E
não se dava conta de que projetos nacionais precisam ser
inclusivos, têm que agregar.
Esses mesmos defeitos se
constituíram em sua maior
qualidade. Pela primeira vez,
em muitos anos, viu-se um homem público defendendo sem
pudor o sentido de interesse
nacional, trazendo à tona
princípios tão velhos e tão
contemporâneos como o próprio conceito de nação. E dando a cara para bater.
Há diferenças entre o Lessa
dos primeiros e o dos últimos
meses de BNDES. O do início
ainda não conseguira absorver novos atores que surgiram
nas últimas décadas, como o
novo papel das pequenas e
médias empresas, as novas
formas de organização da cadeia produtiva, da inovação,
da gestão, o papel das filiais de
multinacionais etc.
O Lessa do final de gestão já
tinha se atualizado, imbuído-se dos novos conceitos e agregado, ao debate nacional, velhos conceitos esquecidos, entre os quais a ousadia de pensar grande. Como tribuno e
como presidente do BNDES,
tornou-se um notável agitador. Reunia-se semanalmente
com fundos de pensão. Sob sua
inspiração, foram criados fundos para investimento em infra-estrutura, fundos para
compra de recebíveis. Empresários nacionais foram estimulados a ousar. As questões
da infra-estrutura e da integração com a América do Sul
entraram para a ordem do
dia. E, nas reuniões internas
do governo, era o único a
manter vivos os últimos sonhos dos conquistadores que
amarraram os cavalos na Esplanada dos Ministérios e se
tornaram reféns do Planalto
Central.
Como o pensamento mundial é cíclico e a períodos de
extremo liberalismo se sucedem outros de revalorização
do papel do Estado, Lessa é, ao
mesmo tempo, um típico
exemplar do pensamento dos
anos 50 e do pensamento do
terceiro milênio.
O governo vai ficar mais calmo, sem Lessa e seu vice-presidente, Darc Costa. E muito
mais sem graça e sem imaginação. Mas, com ele, o país
aprendeu que pode voltar a
pensar grande, o processo deflagrado não tem volta. E, desse papel, Lessa é indemissível.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Opinião econômica - Luiz Carlos Mendonça de Barros: Os riscos da inflação Próximo Texto: Leão guloso: Receita descarta correção do IR pela inflação Índice
|