São Paulo, sexta-feira, 19 de novembro de 2004

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LUÍS NASSIF

Indemissível

Um intelectual é ele e suas idéias. Um executivo é ele e sua organização. Há sempre limites institucionais para o discurso do executivo. Em seus dois anos como presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o economista Carlos Lessa ignorou esses limites e jamais abdicou de sua condição de intelectual. Residem aí sua maior virtude e seu maior defeito.
O defeito foi a inadequação para a gestão (típica dos intelectuais) e o pensamento templário que marcou suas ações. Um executivo trataria de montar o modelo de gestão do banco. O intelectual quer mudar a cabeça, criar seguidores. Por isso, a transição do banco foi tumultuada e gerou desgaste inútil.
Fora do banco, a metralhadora giratória de Lessa lhe custou muitos inimigos e muita dispersão de energia. Não sabia diferenciar adversário de idéias de adversários partidários. Falava com tal contundência que a forma acabava atrapalhando a melhor compreensão do conteúdo. E não se dava conta de que projetos nacionais precisam ser inclusivos, têm que agregar.
Esses mesmos defeitos se constituíram em sua maior qualidade. Pela primeira vez, em muitos anos, viu-se um homem público defendendo sem pudor o sentido de interesse nacional, trazendo à tona princípios tão velhos e tão contemporâneos como o próprio conceito de nação. E dando a cara para bater.
Há diferenças entre o Lessa dos primeiros e o dos últimos meses de BNDES. O do início ainda não conseguira absorver novos atores que surgiram nas últimas décadas, como o novo papel das pequenas e médias empresas, as novas formas de organização da cadeia produtiva, da inovação, da gestão, o papel das filiais de multinacionais etc.
O Lessa do final de gestão já tinha se atualizado, imbuído-se dos novos conceitos e agregado, ao debate nacional, velhos conceitos esquecidos, entre os quais a ousadia de pensar grande. Como tribuno e como presidente do BNDES, tornou-se um notável agitador. Reunia-se semanalmente com fundos de pensão. Sob sua inspiração, foram criados fundos para investimento em infra-estrutura, fundos para compra de recebíveis. Empresários nacionais foram estimulados a ousar. As questões da infra-estrutura e da integração com a América do Sul entraram para a ordem do dia. E, nas reuniões internas do governo, era o único a manter vivos os últimos sonhos dos conquistadores que amarraram os cavalos na Esplanada dos Ministérios e se tornaram reféns do Planalto Central.
Como o pensamento mundial é cíclico e a períodos de extremo liberalismo se sucedem outros de revalorização do papel do Estado, Lessa é, ao mesmo tempo, um típico exemplar do pensamento dos anos 50 e do pensamento do terceiro milênio.
O governo vai ficar mais calmo, sem Lessa e seu vice-presidente, Darc Costa. E muito mais sem graça e sem imaginação. Mas, com ele, o país aprendeu que pode voltar a pensar grande, o processo deflagrado não tem volta. E, desse papel, Lessa é indemissível.

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