São Paulo, sexta-feira, 19 de novembro de 2004

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ARTIGO

Moeda precisa de desvalorização gradual

PETER BERNSTEIN
DO "FINANCIAL TIMES"

O dólar está em dificuldades, mas já esteve antes. Talvez o passado encerre a solução que todos procuram. Em 22 de setembro de 1985, os ministros da Economia e governadores de bancos centrais da França, da Alemanha, do Japão, do Reino Unido e dos EUA assinaram um acordo no Hotel Plaza, em Nova York. Ele afirmava que seus signatários "eram da opinião de que as recentes mudanças nas condições econômicas fundamentais entre seus países, assim como os compromissos políticos para o futuro, não se refletiram totalmente nos mercados de câmbio. Diante das atuais e prospectivas mudanças nos fundamentos, é desejável uma certa valorização ordenada das principais moedas não-dólar contra o dólar. Eles se dispõem a cooperar mais estreitamente para promover isso quando for útil".
Nos dois anos seguintes, o dólar caiu 30%, e o déficit de conta corrente dos Estados Unidos começou a encolher. Em 1991, a conta corrente estava praticamente equilibrada. Um trabalho limpo, executado com elegância.
Poderíamos repetir hoje o Acordo do Plaza? A hipótese seria difícil de defender. Além das enormes diferenças de magnitude do problema econômico, o cenário político não tem semelhanças com o de 1985. Naquela época, os ministros e governadores que se reuniram no Plaza eram velhos amigos, habituados a encontrar soluções para problemas. As potências ocidentais e o Japão dominavam o mundo, e todos os outros se ajoelhavam diante deles. Hoje o quadro é mais complexo.
No lado econômico, a escala do problema é assustadora. O déficit de conta corrente americano, em rápida expansão, hoje supera 5% do Produto Interno Bruto, quando era de apenas 2% em 1985. Além disso, o pequeno superávit de 1991 também foi conseqüência de uma recessão nos Estados Unidos, que reduziu o fluxo de importações enquanto as exportações continuaram aumentando - mas os Estados Unidos voltaram para o vermelho assim que a recuperação começou. Ajudado por uma valorização de 25% do dólar entre 1991 e 2001, o déficit de conta corrente vem aumentando desde então. Em 1985, os ativos oficiais estrangeiros nos Estados Unidos eram uma fração do que são hoje; desde o final de 2002 o crescimento dos valores oficiais representou mais de US$ 450 bilhões. Em 1986, o preço do petróleo caiu 50%; hoje, as preocupações são exatamente opostas.
Em muitos países o crescimento econômico depende excessivamente das exportações, que dependem de um dólar forte. Pelo lado americano, as autoridades apreciam a disposição dos países exportadores a financiar o apetite americano por importações, enquanto suas políticas ajudam a financiar o déficit público.
Mas, como disse o já morto economista Herb Stein: "Se uma coisa não pode continuar para sempre, não continuará". Os influxos de capital privado nos Estados Unidos já estão encolhendo. Existe um ponto em que algum banco central vai gritar "Basta!". Na verdade, a China já começou a diversificar suas reservas cambiais em outras moedas e investimentos. Pressões protecionistas estão se desenvolvendo nos Estados Unidos, que -para emprestar as palavras do Acordo do Plaza-, "se não forem contidas, poderão levar a uma retaliação mutuamente destrutiva, com sérios danos para a economia mundial". Ao mesmo tempo, os Estados Unidos estão criando meios para que países estrangeiros os chantageiem sobre políticas impopulares, ameaçando conter o acúmulo de dólares e provocando crise.
Existe, porém, um interesse disfarçado em todo o mundo que se opõe firmemente a "uma certa futura valorização ordenada das principais moedas não-dólar contra o dólar". Muitos países estão concentrados nas exportações, e não na demanda interna, como motor de crescimento. Acumular títulos do governo americano em quantidade tão abundante não é exatamente confortável, mas a valorização de suas moedas contra o dólar seria ainda mais desconfortável, porque os privaria de seu principal estímulo econômico. A exceção importante é a China, que parece depositar as bases para apreciar o yuan.
No entanto a atual situação não pode continuar para sempre. A solução ideal é uma repetição do Acordo do Plaza -uma valorização ordenada das principais moedas não-dólar contra o dólar, que é um método mais benigno de conter o apetite americano por importações, enquanto promove o desenvolvimento de fontes internas de crescimento no resto do mundo. Sem esse acordo, a previsão de uma desvalorização ordenada do dólar é vaga.


Peter Bernstein é um consultor econômico em Nova York e autor de "Against the Gods: The Remarkable Story of Risk".

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves


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