São Paulo, sábado, 19 de dezembro de 2009

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ROBERTO RODRIGUES

Retaliação e compensação


Adequar políticas de subsídio agrícola dos EUA às regras multilaterais do comércio tem se mostrado difícil

O GOVERNO do Brasil encontra-se diante de um grande dilema decorrente da decisão da OMC (Organização Mundial do Comércio) publicada em 30 de agosto passado. Após sete anos de uma árdua disputa contra a maior economia do mundo, foi concedido ao país o direito de implementar medidas que compensem as perdas geradas pelos subsídios aos nossos produtores de algodão, mexendo com todo o modelo de subsídios dos Estados Unidos e colocando em xeque o sistema de regras comerciais coordenadas pela OMC.
Como implementar tais medidas, dado que o objetivo central da disputa -adequar as políticas de subsídios agrícolas dos Estados Unidos às regras multilaterais do comércio- tem se mostrado difícil, mesmo com a condenação dessas práticas pela OMC?
A decisão dá ao Brasil o direito de implementar US$ 294,7 milhões em medidas retaliatórias e também estipulou um valor "gatilho" de US$ 409,7 milhões a partir do qual o Brasil pode partir para a retaliação cruzada por meio da suspensão de compromissos e obrigações no acordo de comércio de serviços (Gats) e/ou no de propriedade intelectual (Trips).
Esses cálculos foram feitos com base nos anos fiscais de 2005/2006. Estima-se que o valor total da retaliação autorizada, utilizando dados do ano fiscal de 2009, chegue a US$ 900 milhões ou mais. Detalhe: o Brasil seguirá com o direito de fazer retaliações até os EUA alterarem sua política de subsídios.
O dilema ocorre pelo simples fato de que a imposição de barreiras comerciais a produtos agrícolas provenientes dos Estados Unidos não seria suficiente para alcançar os valores de retaliação autorizados pela OMC. A imposição de barreiras a bens industriais, por outro lado, pode ter um impacto negativo para os consumidores e vários setores da economia ou pode aumentar custos às empresas que operam no país com bens de capital e insumos industriais importados. Na mesma linha a retaliação de serviços ou propriedade intelectual é bastante difícil de ser implementada, além de poder impactar a estabilidade do ambiente de negócios no país.
A grande questão é como praticar medidas que forcem os Estados Unidos a alterar suas políticas de subsídio agrícola sem instigar desequilíbrios em outros setores e na relação bilateral.
Uma forma de solução seria a combinação de medidas retaliatórias e compensatórias que tenham como foco primordial gerar benefícios para os cotonicultores e demais produtores rurais do Brasil. Essas medidas compensatórias, por sua vez, poderiam ser oferecidas tanto no formato de acesso a mercado nos Estados Unidos como por meio de algum tipo de compensação financeira, que poderia ser utilizada, por exemplo, para a criação de um fundo voltado à promoção de pesquisas e à promoção comercial dos setores interligados. Há precedentes desse tipo de acordo envolvendo disputas na OMC -portanto, há margens para sua implementação.
Apesar da boa vontade do governo brasileiro em estudar formas alternativas de compensação, cabe aos Estados Unidos apresentar uma proposta que caminhe nessa direção. Ainda que o objetivo maior dos produtores agrícolas do Brasil seja a eliminação definitiva dos subsídios ilegais, no curto prazo as medidas compensatórias poderiam amenizar as perdas causadas a boa parte do setor. É com grande ansiedade que os agricultores brasileiros aguardam um movimento dos EUA nessa direção.


ROBERTO RODRIGUES , 67, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.

rr.ceres@uol.com.br


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