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ARTIGO
Reforma fiscal e anistia para empresas
MAURÍCIO DE ALMEIDA PRADO
˛
Não é preciso ser economista ou
ter dados privilegiados para constatar que boa parte das empresas
nacionais encontra-se altamente
endividada em face do fisco (levantamento da Fiesp aponta que
80% das empresas paulistas estão
em atraso com suas obrigações fiscais). Não só por conta do Imposto
de Renda, mas também de INSS,
PIS, Cofins, IPI, taxas etc.
Razões para tal situação são muitas e facilmente reconhecidas. Os
anos 90 se caracterizaram por mudanças profundas na conjuntura
econômica brasileira. A estabilização, que por si só causou uma modificação radical do cenário, trouxe consigo a abertura do mercado
e a concorrência internacional.
O empresariado brasileiro, acostumado a uma política protecionista e aos oligopólios, rapidamente teve (e ainda tem) que se adaptar. Daí a profissionalização contínua das empresas, a venda dos
controles de empresas familiares
para investidores, o enxugamento
de quadros de funcionários e a revisão de suas estratégias.
Como fator complicador, os
anos de 1997 e 1998 foram marcados pelas crises internacionais e
pelo aumento vertiginoso das taxas de juros. Quem tinha um endividamento razoável está atualmente em situação gravíssima,
pois não há como gerar um lucro
operacional suficiente para cobrir
uma taxa de juros da ordem de
50% ao ano.
Nesse contexto, o caminho de
boa parte das empresas tem sido o
de deixar de pagar os tributos. Não
se pode deixar de reconhecer que,
quando o recurso é escasso, os
bancos, a folha de salários e os fornecedores têm tido prioridade em
relação ao fisco. As dívidas com os
primeiros crescem mensalmente
em níveis estratosféricos e há o risco concreto do pedido de falência e
da execução dos avais pessoais dos
diretores e sócios. Quanto aos outros, se o empresário não paga a folha ou os fornecedores, as empresas fatalmente param no curto prazo.
Do lado do governo, há um valor
enorme a ser cobrado e outro valor, talvez equivalente, a ser ainda
identificado (dívidas não declaradas). Porém, numa perspectiva
realista, quanto disso será efetivamente aportado aos cofres públicos? E quando? É extremamente
comum restar o fisco como credor
de empresas em estado de falência,
sem nenhuma perspectiva de receber os créditos.
Mais do que vantagens para o governo, esses créditos implicam
grande volume de trabalho (dos
órgãos governamentais e do Judiciário) e custos difíceis de mensurar, mas seguramente relevantes.
Isso sem contar a corrupção, que
encontra aí local fértil para se desenvolver, e outros inconvenientes
políticos (como provocação de
certos membros do STJ).
Há que mencionar, ainda, que o
alto grau de endividamento das
empresas provoca uma dinâmica
negativa na economia, sobretudo
na perspectiva recessiva que se
apresenta para 1999.
O que fazer, então? Propomos
que o governo promova uma anistia fiscal para as empresas. Ela seria ampla, incluindo quase todos
os tributos, mas parcial -ou seja,
só poderia se beneficiar a empresa
que pagasse um percentual (digamos, 40%) do valor do débito (em
até 12 meses, por exemplo). Esses
números dependem, evidentemente, das estimativas do governo
sobre a arrecadação dos tributos
em atraso no próximo ano, bem
como da capacidade financeira das
empresas.
Uma anistia nesses moldes traria
para o governo a perspectiva de
um ingresso substancial de recursos no curto prazo, o que ajudaria
a reduzir o déficit interno. Permitiria, também, a liberação do Judiciário e dos órgãos públicos competentes do imenso imbróglio que
é a cobrança desses tributos (autorizando, por exemplo, que as empresas utilizassem os valores depositados em juízo, que estão na pauta das discussões atuais, para pagar
os 40% exigidos). Esses órgãos poderão, então, concentrar-se na fiscalização e na cobrança pós-reforma fiscal.
Do lado das empresas, a anistia
parcial representaria uma forte injeção de vigor na economia nacional. Já saneadas, elas poderiam estabelecer programas de investimentos e de abertura de novos empregos (fato que atrairia o apoio
dos sindicatos de trabalhadores e
talvez dos partidos de oposição).
Sem dúvida, seria medida de forte
impacto.
A reforma fiscal hoje em curso se
apresenta como o momento oportuno para implementar tal anistia.
Pode-se mesmo afirmar que a
anistia é um elemento estratégico
para sua viabilidade. Não só do
ponto de vista político, pois poderia ajudar a obter o consenso dos
deputados e senadores, como também da perspectiva fiscal: não tendo o empresário recursos para pagar os tributos hoje em atraso, como fará com os futuros (que, por
sinal, aumentam com a reforma
fiscal)?
Não se poderá arguir que os empresários ficarão aguardando outras anistias e não pagarão os tributos futuros. Tal como só haverá
uma reforma fiscal, só haverá uma
anistia fiscal. Cada vez mais, as
empresas que não pagam os tributos estão com dificuldades para
manter a normalidade de suas atividades comerciais -de sorte que,
com o cerco se apertando e não havendo um caso de extrema necessidade, é muito provável que o índice de evasão fiscal diminua substancialmente (e, com ele, o de corrupção).
Por fim, o FMI, caso tenha de ser
consultado (o que é duvidoso, pois
não se trata de novas isenções ou
benefícios fiscais, mas de um perdão parcial do passado), possivelmente concordaria com seus termos, visto estar na linha de racionalidade da ampla reforma que se
processa no Brasil.
Essa reforma exige de nossos governantes a coragem e a responsabilidade da tomada de decisões.
Essa foi, a meu ver, a vertente da
confiança, depositada nas urnas,
no programa do presidente Fernando Henrique Cardoso.
˛
Maurício Curvelo de Almeida Prado, 31, é
mestre em direito pela Universidade de São Paulo, DESS pela Universidade de Paris e advogado
em São Paulo.
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