São Paulo, sábado, 19 de dezembro de 1998

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ARTIGO
Reforma fiscal e anistia para empresas



MAURÍCIO DE ALMEIDA PRADO
˛ Não é preciso ser economista ou ter dados privilegiados para constatar que boa parte das empresas nacionais encontra-se altamente endividada em face do fisco (levantamento da Fiesp aponta que 80% das empresas paulistas estão em atraso com suas obrigações fiscais). Não só por conta do Imposto de Renda, mas também de INSS, PIS, Cofins, IPI, taxas etc.
Razões para tal situação são muitas e facilmente reconhecidas. Os anos 90 se caracterizaram por mudanças profundas na conjuntura econômica brasileira. A estabilização, que por si só causou uma modificação radical do cenário, trouxe consigo a abertura do mercado e a concorrência internacional.
O empresariado brasileiro, acostumado a uma política protecionista e aos oligopólios, rapidamente teve (e ainda tem) que se adaptar. Daí a profissionalização contínua das empresas, a venda dos controles de empresas familiares para investidores, o enxugamento de quadros de funcionários e a revisão de suas estratégias.
Como fator complicador, os anos de 1997 e 1998 foram marcados pelas crises internacionais e pelo aumento vertiginoso das taxas de juros. Quem tinha um endividamento razoável está atualmente em situação gravíssima, pois não há como gerar um lucro operacional suficiente para cobrir uma taxa de juros da ordem de 50% ao ano.
Nesse contexto, o caminho de boa parte das empresas tem sido o de deixar de pagar os tributos. Não se pode deixar de reconhecer que, quando o recurso é escasso, os bancos, a folha de salários e os fornecedores têm tido prioridade em relação ao fisco. As dívidas com os primeiros crescem mensalmente em níveis estratosféricos e há o risco concreto do pedido de falência e da execução dos avais pessoais dos diretores e sócios. Quanto aos outros, se o empresário não paga a folha ou os fornecedores, as empresas fatalmente param no curto prazo.
Do lado do governo, há um valor enorme a ser cobrado e outro valor, talvez equivalente, a ser ainda identificado (dívidas não declaradas). Porém, numa perspectiva realista, quanto disso será efetivamente aportado aos cofres públicos? E quando? É extremamente comum restar o fisco como credor de empresas em estado de falência, sem nenhuma perspectiva de receber os créditos.
Mais do que vantagens para o governo, esses créditos implicam grande volume de trabalho (dos órgãos governamentais e do Judiciário) e custos difíceis de mensurar, mas seguramente relevantes. Isso sem contar a corrupção, que encontra aí local fértil para se desenvolver, e outros inconvenientes políticos (como provocação de certos membros do STJ).
Há que mencionar, ainda, que o alto grau de endividamento das empresas provoca uma dinâmica negativa na economia, sobretudo na perspectiva recessiva que se apresenta para 1999.
O que fazer, então? Propomos que o governo promova uma anistia fiscal para as empresas. Ela seria ampla, incluindo quase todos os tributos, mas parcial -ou seja, só poderia se beneficiar a empresa que pagasse um percentual (digamos, 40%) do valor do débito (em até 12 meses, por exemplo). Esses números dependem, evidentemente, das estimativas do governo sobre a arrecadação dos tributos em atraso no próximo ano, bem como da capacidade financeira das empresas.
Uma anistia nesses moldes traria para o governo a perspectiva de um ingresso substancial de recursos no curto prazo, o que ajudaria a reduzir o déficit interno. Permitiria, também, a liberação do Judiciário e dos órgãos públicos competentes do imenso imbróglio que é a cobrança desses tributos (autorizando, por exemplo, que as empresas utilizassem os valores depositados em juízo, que estão na pauta das discussões atuais, para pagar os 40% exigidos). Esses órgãos poderão, então, concentrar-se na fiscalização e na cobrança pós-reforma fiscal.
Do lado das empresas, a anistia parcial representaria uma forte injeção de vigor na economia nacional. Já saneadas, elas poderiam estabelecer programas de investimentos e de abertura de novos empregos (fato que atrairia o apoio dos sindicatos de trabalhadores e talvez dos partidos de oposição). Sem dúvida, seria medida de forte impacto.
A reforma fiscal hoje em curso se apresenta como o momento oportuno para implementar tal anistia. Pode-se mesmo afirmar que a anistia é um elemento estratégico para sua viabilidade. Não só do ponto de vista político, pois poderia ajudar a obter o consenso dos deputados e senadores, como também da perspectiva fiscal: não tendo o empresário recursos para pagar os tributos hoje em atraso, como fará com os futuros (que, por sinal, aumentam com a reforma fiscal)?
Não se poderá arguir que os empresários ficarão aguardando outras anistias e não pagarão os tributos futuros. Tal como só haverá uma reforma fiscal, só haverá uma anistia fiscal. Cada vez mais, as empresas que não pagam os tributos estão com dificuldades para manter a normalidade de suas atividades comerciais -de sorte que, com o cerco se apertando e não havendo um caso de extrema necessidade, é muito provável que o índice de evasão fiscal diminua substancialmente (e, com ele, o de corrupção).
Por fim, o FMI, caso tenha de ser consultado (o que é duvidoso, pois não se trata de novas isenções ou benefícios fiscais, mas de um perdão parcial do passado), possivelmente concordaria com seus termos, visto estar na linha de racionalidade da ampla reforma que se processa no Brasil.
Essa reforma exige de nossos governantes a coragem e a responsabilidade da tomada de decisões. Essa foi, a meu ver, a vertente da confiança, depositada nas urnas, no programa do presidente Fernando Henrique Cardoso.
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Maurício Curvelo de Almeida Prado, 31, é mestre em direito pela Universidade de São Paulo, DESS pela Universidade de Paris e advogado em São Paulo.



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