São Paulo, sábado, 19 de dezembro de 1998

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LUÍS NASSIF
Desenvolvimento e Fazenda

A discussão sobre o Ministério da Produção perdeu completamente o foco. Virou uma sucessão de estereótipos, de idéias preconcebidas -por parte dos críticos, e dos críticos dos críticos-, uma disputa de poder resvalando para julgamentos pessoais que é (mais uma) prova acabada de que, por estes trópicos, não há conceito que resista à politização.
Um pouco de ordem no galinheiro não faria mal. E, para tanto, há que se separar dois pontos distintos: a política macroeconômica atual e a articulação da política microeconômica.
Política macroeconômica quem faz é a Fazenda. Com Ministério da Produção ou sem ele, a política macroeconômica tem que buscar o desenvolvimento. O fato de a política econômica ter perdido o enfoque não se deve à ausência de Ministério da Produção, mas à ausência de foco na Fazenda e de comando do presidente da República. E também a essa simplificação extrema na qual se enredou o pensamento econômico hegemônico brasileiro, de restringir todo o desenvolvimento a hipóteses sobre câmbio e juros, e enquadrar toda a análise dos processos microeconômicos ao uso abusivo do "suponhamos que" -"suponhamos que" a produtividade cresça 10% ao ano, "suponhamos que" as exportações cresçam 12% ao ano. "Suponhamos que" superávit nasça que nem capim... ˛ O presidente do BC
A atuação do Banco Central e seu presidente é mera decorrência desse quadro. Os sucessivos presidentes do BC, no período do Real, receberam uma incumbência do presidente da República: garantam o Real a qualquer preço. Foi o que fizeram, ao preço de quebrar o país, mas cumprindo ordens.
Agora mesmo, os juros não caem devido ao princípio das responsabilidades difusas. Deixando como está, o país quebra mas não haverá responsáveis diretos. Sempre se poderá atribuir à crise internacional. Mudando os juros, qualquer problema será de responsabilidade de quem mudou os juros. Correr risco é responsabilidade do chefe, não dos subordinados. Se o chefe não quer, o subordinado não irá meter a mão na cumbuca. O presidente do BC cuida bem do seu jardim. O problema é seu chefe não conseguir avançar além do jardim.
E aí esbarra-se em mais um estereótipo absurdo disseminado por essa visão ligeira da macroeconomia: a de que todo ministro que ambiciona o desenvolvimento é um gastador. No governo não houve ninguém mais desenvolvimentista e menos gastador do que o ministro José Serra, quando no Planejamento.
Em relação à política macroeconômica, o Ministério da Produção era relevante mais pelas pessoas que tocariam o barco -os irmãos Mendonça de Barros e André Lara Rezende- do que por ele em si. Desde a saída de Pérsio Arida do governo, e do consequente enfraquecimento da corrente liderada pelo então ministro José Serra, pela primeira vez delineou-se um grupo interno capaz de atuar em conjunto com a Fazenda, e ajudar FHC a romper com a inércia. Isso foi possível pelo fato de o grupo ter amadurecido conceitos modernos de política industrial e dispor de conhecimentos macroeconômicos e de mercado. Para que a política econômica rompesse com a inércia, o grupo era mais importante do que o ministério.
O Ministério da Produção é importante por outras razões: para permitir a coordenação dos diversos setores microeconômicos ligados ao desenvolvimento: agências de fomento, bancos oficiais, institutos de pesquisa, órgãos de comércio exterior etc. Se não tiver um ministro à altura, será apenas a versão revista do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo.
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