São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2005

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CONTAS VIGIADAS

Banqueiro afirma que recurso serviu para elevar capital do banco, comprar créditos podres e pagar bônus

Fundo de offshore foi aplicado, diz Edemar

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O banqueiro Edemar Cid Ferreira informou à Folha, por meio de seus advogados, que os US$ 224,6 milhões captados pela Alsace Lorraine foram aplicados integralmente no Banco Santos. O valor corresponde a R$ 577,3 milhões, segundo a cotação do dólar de anteontem. Edemar afirma que não foi beneficiado diretamente pelos recursos da Alsace Lorraine em nenhum momento.
Pela primeira vez ele reconhece que é o sócio-controlador da offshore sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe. "O Edemar é o dono da Alsace Lorraine", diz o advogado Ricardo Tepedino.
A Justiça das Ilhas Virgens Britânicas decidiu liqüidar a Alsace Lorraine em 28 de janeiro último porque a empresa não honrou duas promissórias no valor de R$ 3 milhões, aproximadamente. A empresa de auditoria KPMG foi escolhida para tentar descobrir o destino dos recursos captados pela Alsace Lorraine.

Taxa de 11% ao ano
O banqueiro informa que a Alsace Lorraine foi criada em 2000 com o objetivo de captar recursos no exterior para o Banco Santos. Quem colaborava nessa operação era o Bank of Europe, instituição baseada em Antígua, um paraíso fiscal no Caribe.
Esse banco vendia promissórias da Alsace Lorraine ou participações numa promissória global dessa offshore. Os clientes eram atraídos pela taxa oferecida pelo Bank of Europe: 11% ao ano para investimentos em dólar. Os bancos norte-americanos ou europeus remuneram aplicações em dólar em 4% ao ano, em geral.
"Todos os investidores da Alsace Lorraine sabiam que era uma aplicação de risco", afirma o advogado Sergio Bermudes.
O Bank of Europe, segundo Bermudes, é controlado por uma holding suíça chamada Beauford. Edemar diz que não foi proprietário nem integra o quadro de acionistas do Bank of Europe. A Beauford também é dona do braço brasileiro do Bank of Europe, a European Advisors, de acordo com o banqueiro. A Beuaford tem 100% das ações da European, segundo ele.
A irmã de Edemar, Edna Ferreira de Souza e Silva, fez parte da sociedade que criou a European Asset junto com a Beauford e Ricardo Russo Candido de Souza. Tepedino diz que isso ocorreu porque Edna tinha uma empresa de gaveta, que ainda não havia sido ativada, e a European Asset aproveitou o número do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) dela. Segundo ele, a irmã de Edemar jamais participou dos negócios da European. Edna foi desligada da sociedade em março de 2003. No ano passado, a European Asset foi rebatizada de European Advisors.
O executivo Candido de Souza trabalhou no Banco Santos e foi diretor da E-Financial, empresa criada por Edemar para atuar na área de comércio eletrônico.

US$ 27 milhões em bônus
A informação de que a Alsace Lorraine tinha US$ 224,6 milhões de investidores em 22 de dezembro do ano passado foi apurada pelo interventor do Bank of Europe, Peter Queeley. O Bank of Europe sofreu intervenção dias depois de o Banco Central intervir no Banco Santos, em 12 de novembro do ano passado. Segundo Queeley, que representa o Banco Central de Antígua no processo de intervenção, o Bank of Europe está insolvente.
A Alsace Lorraine já teve mais recursos do que os US$ 224,6 milhões contabilizados em dezembro, ainda de acordo com Tepedino. Nos últimos cinco anos, essa offshore repassou US$ 251,2 milhões para o banco de Edemar ou para empresas controladas pelo banqueiro, informa o advogado. Esse montante, diz Tepedino, foi aplicado da seguinte forma:
  A Procid Participações, a holding de Edemar, recebeu US$ 124.775.225,80 da Alsace Lorraine para aumentar o seu capital e repassou o valor integralmente para o Banco Santos empregá-lo em aumento de capital;
  A Finsec ficou com US$ 98,909 milhões, empregados na compra de créditos que o Banco Santos não conseguia receber. Empresas que fazem esse tipo de negócio são chamadas de securitizadoras de crédito. Tepedino diz que não há ilegalidade no fato de ele controlar o banco que tem os créditos podres e a empresa que os comprou. O Banco Central, no entanto, classificou de "resultados não usuais" o lucro que Edemar teve em 2001 com as compras de créditos podres da Finsec. O presidente da Finsec, cujo capital soma R$ 269,92 milhões, é o corretor de seguros Joaquim Gomes de Almeida, que trabalhou para Edemar, conforme a Folha revelou em 24 de janeiro deste ano;
  A Alpha Negócios e Participações recebeu US$ 27,55 milhões também para aumento de capital e distribuiu o montante a gerentes, executivos e diretores do Banco Santos nos últimos cinco anos. Tepedino estima que foram beneficiados cerca de cem executivos por ano. Nos casos de profissionais renomados, o Banco Santos pagava luvas para tê-los em seus quadros, além de bônus por metas atingidas.
Tepedino diz que a grande maioria dos recursos captados pela Alsace Lorraine veio de investidores em busca de uma taxa de retorno excepcional. A maioria, afirma, não é devedora do Banco Santos. Um valor muito pequeno decorre da prática do Banco Santos de pedir contrapartida a empresas que buscavam crédito, segundo ele.
Executivos que conhecem as remessas do Banco Santos para o exterior estimam que só um terço dos aplicadores da Alsace Lorraine deve recorrer à Justiça para tentar recuperar o investimento que fizeram. Dois terços deles não têm como comprovar a origem legal do dinheiro, ainda de acordo com esse raciocínio. Isso ocorre porque as aplicações predominantes na Alsace Lorraine teriam saído do caixa dois das empresas.


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