São Paulo, quarta-feira, 20 de março de 2002

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ONGs propõem tribunal para a dívida externa

DO ENVIADO ESPECIAL A MONTERREY

As ONGs (organizações não-governamentais) que acham que "outro mundo é possível", a palavra de ordem sob a qual se reúnem em Porto Alegre no Fórum Social Mundial, não se limitam, em Monterrey, a criticar as decisões dos governantes.
Trouxeram suas próprias propostas, a principal das quais é "criar um organismo internacional de arbitragem e de cancelamento da dívida externa", conforme a apresentação feita ontem por Juan Pedro Schaad, reverendo argentino do Conselho Latino-Americano de Igrejas.
A proposta não é apenas latino-americana, na medida em que tem o respaldo do Conselho Mundial das Igrejas, com sede em Genebra (Suíça).
Nos documentos que distribuíram em Monterrey e na entrevista coletiva concedida ontem por uma parte delas (exatamente a ligada às igrejas), as ONGs tratam de todos os temas, embora, como na conferência oficial, o eixo gire em torno do aumento da ajuda oficial (na prática, doações) aos países pobres.
Pedem, por exemplo, equidade no comércio internacional, tema que o governo brasileiro vem defendendo em todos os foros globais ou regionais de que participa.
Pedem também que "a globalização seja regulada por meio de regras claras e justas, o que implica a necessidade de reformar a arquitetura financeira internacional, transformando suas instituições e revisando seus mandatos, metodologias e processos de tomada de decisões".
A reforma da arquitetura financeira global é um bordão lançado anos atrás pelo então presidente norte-americano Bill Clinton e na qual tem insistido desde a primeira posse o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Mas, ao contrário do governo brasileiro, que assina o Consenso de Monterrey, as ONGs rejeitam o documento final da Conferência Internacional sobre Financiamento ao Desenvolvimento.
Jocelyn Dow, da Organização das Mulheres para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, equipara o Consenso de Monterrey ao Consenso de Washington, o conjunto de receitas neoliberais lançado há cerca de uma década e que se tornou o padrão de governo em especial na América Latina.
As ONGs do "Outro Mundo é Possível" são as grandes inimigas do Consenso de Washington.
"Acreditar que as regras do livre mercado possam resolver os problemas do financiamento ao desenvolvimento e da pobreza é acreditar em ficção científica", diz, por exemplo, Joy Kennedy, do "Time Ecumênico", outra ONG das igrejas.
Elas lamentam também o fato de que, embora Monterrey lhes tenha aberto espaço para participar nas discussões prévias, não ocorreu o mesmo no processo de tomada de decisões. "Nossa voz não foi ouvida", reclama Rogate Mshana, do Conselho Mundial de Igrejas.
Mshana acha insuficientes os sete assentos reservados pelos organizadores para as ONGs nos debates de quinta e sexta com os chefes de Estado/governo. "Não basta para ter impacto sobre o processo", diz.
Desencantadas com Monterrey, as ONGs já se preparam para a próxima batalha, marcada para o início de setembro em Johannesburgo, África do Sul. Lá ocorrerá a Conferência Internacional sobre o Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como Rio+10, porque fará o balanço da reunião sobre meio ambiente realizada há 10 anos no Rio de Janeiro. (CR)


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