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OPINIÃO ECONÔMICA
Tempestade de aço
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Guerra. não há outro assunto. Todos os outros podem ficar para depois. Escrevo este artigo na quarta-feira à tarde.
Quando o jornal estiver nas mãos
do leitor (ou na tela do seu computador), a máquina militar norte-americana talvez já tenha desencadeado nova tempestade de
aço sobre os iraquianos.
À luz da razão ou de considerações humanitárias, é uma guerra
absurda e desnecessária. Essa é a
avaliação amplamente majoritária no planeta.
Mas não nos Estados Unidos. O
governo Bush tem aparentemente
o apoio da maioria dos americanos -e isso conta mais do que a
repulsa do resto do mundo.
Os críticos da guerra têm apresentado as explicações mais variadas para o comportamento do
governo dos EUA. As mais populares enfatizam as motivações
econômicas, em especial a questão do petróleo.
Os fatores econômicos têm, sem
dúvida, peso explicativo considerável. Mas talvez não sejam os
principais, e certamente não são
os únicos. O que está em curso,
fundamentalmente, é a reafirmação, indisfarçada, brutal, do poder dos Estados Unidos. Em outras palavras, para entender o
que está acontecendo, Marx talvez ajude menos do que Nietzsche. "Die Welt von innen gesehen
(...) wäre Wille zur Macht und
nichts ausserdem" ("O mundo
visto de dentro (...) seria vontade
de poder e nada além disso"), dizia o segundo ("Além do Bem e do
Mal", aforismo 36).
Paradoxalmente, entretanto,
essa reafirmação de poder, da forma como está ocorrendo, dará lugar a um enfraquecimento da posição mundial dos EUA. Não me
refiro apenas aos efeitos da guerra sobre o frágil quadro da economia norte-americana, aspecto
que tem sido analisado por economistas norte-americanos como
Barry Eichengreen e Paul Krugman em artigos publicados ou republicados recentemente por este
jornal (ver, do primeiro, "Guerra
custará além do esperado, e o
Brasil vai pagar", Folha, 16 de
março; e do segundo, "O que
preocupa é o que virá depois", Folha, 19 de março).
Não se deve perder de vista que
a invasão do Iraque ocorre depois
de uma das maiores, talvez a
maior derrota político-diplomática da história dos Estados Unidos. Apesar de intensas pressões e
demorada campanha, os EUA
não conseguiram a cobertura do
Conselho de Segurança da ONU
para a ação militar. Não conseguiram dobrar a França, a Rússia e a China, países com poder
de veto no Conselho. Não obtiveram sequer o apoio de diversos
outros membros temporários do
Conselho, muitos deles países frágeis e normalmente suscetíveis
aos agrados e ameaças da superpotência. Se os EUA tivessem levado a questão à votação, teriam
sido derrotados, como se sabe.
É notável que os EUA não tenham assegurado o apoio do Chile, por exemplo. Nos bastidores, o
governo Bush teria chegado ao
ponto, segundo se noticiou, de insinuar que dificultaria a efetivação do recém-negociado acordo
de livre comércio EUA-Chile, que
os chilenos vêm buscando ardentemente há quase dez anos e que
ainda depende da aprovação do
Congresso dos EUA.
Mais notável ainda é o caso do
México, outro membro temporário do Conselho de Segurança
que, depois de algumas vacilações, também se recusou a acompanhar os EUA e o Reino Unido.
É difícil lembrar um país que seja
economicamente tão dependente
dos EUA sob todos os pontos de
vista (comércio exterior, investimentos, turismo, remessas de
imigrantes etc.). Mas a imensa
maioria dos mexicanos é contra a
guerra, e o governo Fox acabou
negando o seu apoio. "O gigante
está fora de controle", comentou
"off the record" um político próximo a Fox ("Miami Herald", 16
de março).
A resistência internacional aos
propósitos de Washington só pode ser plenamente compreendida
quando se leva em conta que a
invasão do Iraque é a culminação de uma série de iniciativas
unilaterais dos EUA. A disposição de ignorar ou violar regras e
negociações internacionais tem
sido uma das marcas registradas
da administração Bush. O episódio da destituição do brasileiro
José Mauricio Bustani do comando da Opaq (Organização para a
Proscrição das Armas Químicas),
lembrado no artigo da quinta-feira passada, foi uma das várias
violências cometidas por Washington desde 2001.
Com a eclosão da guerra, as
reações e o ressentimento do resto
mundo tenderão a crescer. Washington encontrará obstáculos às
suas iniciativas nos quatro cantos
do planeta. A influência e a capacidade de liderar dos EUA, hoje
bastante menores do que há três
ou quatro anos, diminuirão ainda mais.
O poder norte-americano é inegavelmente colossal. Não obstante, os EUA não têm e não terão
condições políticas, econômicas e
demográficas de construir um
mundo unipolar, sob seu estrito
controle.
Por ironia, os arroubos imperiais do governo Bush acabarão
provavelmente propiciando o resultado oposto: a consolidação de
um mundo multipolar, em que o
peso e o prestígio dos EUA serão
menores do que seriam se os seus
líderes políticos e estrategistas internacionais fossem mais sábios e
ponderados.
PS: No artigo da semana passada, prometi enviar texto do embaixador Bustani sobre o seu
afastamento da direção da Opaq
aos leitores que manifestassem
interesse. Houve uma grande
quantidade de pedidos (mais de
300), e continuam chegando. Estou cumprindo a promessa, mas
aviso aos interessados que, nesse
meio tempo, o texto foi colocado
no site do Instituto de Estudos
Avançados da USP
(www.usp.br/iea/revista).
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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