São Paulo, sábado, 20 de março de 2004

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LUÍS NASSIF

Completando a obra

Onde há fumaça, pode haver só fumaça, mas pode também haver fogo. Em vez de se aliar à Argentina contra o FMI em torno dos critérios de contabilização de investimentos -uma discussão técnica que se tornou menor, na medida em que o Ministério da Fazenda ofereceu espontaneamente um superávit primário maior do que o exigido-, seria conveniente que Lula olhasse para seu próprio quintal.
A última missão do FMI que esteve no Brasil levantou uma questão que, se levada ao pé da letra, arrebentará com qualquer veleidade de industrialização do país. Em reunião com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a equipe questionou os juros da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), por serem inferiores aos da taxa Selic. Trataram a diferença como sendo subsídio, mesmo sabendo que os 10% da TJLP estão muito acima da taxa de longo prazo dos países desenvolvidos, que é uma taxa que obedece a regras estritas de cálculo e sabendo que o subsídio se caracterizaria se a taxa nominal fosse negativa.
Mais: sustentaram que o BNDES estaria competindo com o sistema financeiro privado, mesmo sabendo que o banco é a única fonte de financiamento de longo prazo na economia.
Não se trata de mero arroubo de jovens economistas. Nos últimos tempos, esse tema tem sido levantado em reuniões da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e da OMC (Organização Mundial do Comércio).
Se uma tese dessas pega, qualquer exportação de empresa que tenha financiamentos do BNDES correrá o risco de ser contestada por concorrentes.
Na reunião com o BNDES, os técnicos do FMI chegaram a sugerir que, se o dinheiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), principal fonte de recursos do BNDES, fosse repassado para os bancos privados e aplicados em títulos públicos, a remuneração seria melhor.
Foi-lhes respondido que a a criação do FAT e a destinação de seus recursos eram questão constitucional, de decisão exclusiva do país, e que os técnicos se restringissem aos temas pertinentes.
A questão é que, em sucessivas reuniões do conselho do FAT, o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, esposou tese semelhante -a de que a TJLP configuraria uma espécie de subsídio.
A reação contra a posição do FMI partiu do ministro do Planejamento, Guido Mantega, e do presidente do BNDES, Carlos Lessa. Os interlocutores diretos do FMI são a Fazenda e, especialmente Levy. Deles, nada se ouviu.
As retóricas de Lula e do Itamaraty estão sendo desperdiçadas em um tema menor.

Súmula vinculante
É importante que os parlamentares que estão votando a reforma do Judiciário analisem com cuidado as implicações da "súmula vinculante", tal qual foi redigida no projeto.
Por ela, qualquer controvérsia na Justiça acabará com a decisão do tribunal de última instância. Pode ser um bom instrumento para reduzir o número de demandas judiciais. Mas, da forma como foi redigida, subordina não apenas o Judiciário mas o próprio Executivo a qualquer decisão tomada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).


E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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