São Paulo, quinta-feira, 20 de maio de 2004

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PÉ NO FREIO

Manutenção dos juros pode travar a economia, diz setor produtivo

Indústria e comércio temem que decisão afete retomada

DA REPORTAGEM LOCAL

Representantes da indústria, do comércio e dos trabalhadores acreditam que a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de manter a taxa básica de juros em 16% ao ano pode travar a economia, que deu sinal de recuperação no primeiro trimestre.
O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Horacio Lafer Piva, diz, em nota, que "a medida do Banco Central deve causar nova deterioração nas expectativas de investidores e consumidores".
"Reconhecemos que essa reunião ocorreu em ambiente de elevada incerteza sobre o comportamento futuro de alguns preços chaves para a nossa economia, seja o valor de nossa moeda seja a cotação dos derivados de petróleo. Mas a postura cautelosa do Banco Central só reforça a percepção de que, para o governo e nas condições atuais, não podemos crescer muito mais de 3% ao ano. Se o sinal é esse, porque nós empresários devemos acreditar que o espetáculo do crescimento estaria à vista?", pergunta.
A Fiesp também criticou a política monetária do governo. "O Banco Central se recusa a utilizar a flexibilidade que o regime de metas lhe permite." Para a federação, "combater esses movimentos [pressão sobre preços e conter a inflação] com política monetária é gerar perda desnecessária de produto e emprego".
A CNI (Confederação Nacional da Indústria) considerou a medida "defensiva que, infelizmente, interrompe a trajetória de queda dos juros, que é muito importante para estimular o ambiente econômico. Haveria espaço para pelo menos uma pequena redução", afirma Armando Monteiro Neto, presidente da entidade.
Para Julio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), o governo deveria ter reduzido os juros para "não correr o risco de bloquear mais uma vez a indústria. A decisão coloca em risco a recuperação econômica que se esboçava".
Na avaliação de José Augusto Marques, presidente da Abdib (Associação Brasileira da Indústria da Infra-estrutura), a medida "é ruim para o país e frustrou a expectativa dos empresários".
Paulo Saab, presidente da Eletros (associação dos fabricantes de eletroeletrônicos), considerou contraditória a posição do governo. "Não consigo entender por que o governo tem anunciado a retomada da economia, e o Copom decide manter os juros."
Empresários do setor da construção civil avaliaram que o Copom agiu com "cautela". "O setor da construção necessita de juros baixos e economia estável", diz Artur Quaresma Filho, presidente do Sinduscon-SP.

Peso no bolso
Com a decisão do governo, representantes do comércio acreditam que deve acontecer, na prática, uma elevação na atual taxa cobrada nas operações de crédito. Isso porque pode ocorrer um aumento na taxa de juros futuros, determinada pelo mercado em operações na BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros), e que é uma importante baliza para que o varejo defina os juros das lojas.
"Grande parte das vendas do comércio é feita a prazo e, portanto, depende da taxa de juros e da disposição dos comerciantes de alongar os prazos. Com a manutenção da taxa Selic, provavelmente os prazos não vão se alongar e o custo dos financiamentos pode até mesmo subir", afirma em nota o presidente da Fecomercio, Abram Szajman.
Atualmente, o prazo de financiamento do varejo atinge até 24 meses e a taxa de juros média está em 6,05% ao mês (102,36% ao ano). A taxa subiu de março para abril, assim como houve aumento nos juros para operações financeiras de empresas no período.
Para uma companhia descontar uma duplicata, por exemplo, a taxa de juros nos bancos está em 4,01% ao mês (60,29% ao ano). Em março, estava em 3,93%.
Com medida de ontem, essas taxas podem se manter ou subir. Ontem, Bradesco e Itaú, os maiores bancos privados do Brasil, informaram que ainda não têm uma avaliação da medida tomada pelo governo.
Representantes do varejo pediram ontem para que o governo "acorde para a vida real" e adote uma posição menos "infeliz".
"Mais uma vez, nós lamentamos a decisão. Esse pessoal tem de acordar e sair de seus gabinetes para ver o que está ocorrendo aqui fora", diz Nabil Sahyoun, presidente da Alshop, que representa os shopping centers.

"Espetáculo de fantoches"
"Não mexer na taxa agora significa persistir beneficiando apenas as instituições financeiras e continuar deixando a economia do Brasil à deriva", disse Luiz Marinho, presidente da CUT. A Força Sindical chamou a decisão de "um espetáculo de fantoches". Para o presidente da central, Paulo Pereira da Silva, "o Copom conseguiu a façanha de errar, ao mesmo tempo, o remédio e a dose. A impressão é que o governo nada mais é que uma equipe de fantoches nas mãos das instituições financeiras." (AM, FF, CR)


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