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GASTO BRASIL
Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003, divulgada pelo IBGE, revela o perfil das despesas no país
Consumo supera renda em 85% das famílias
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
MARCELO BILLI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
As famílias brasileiras consomem mais e poupam menos do
que nos anos 70. Em 85% delas, os
gastos superam os rendimentos
-revela a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada
ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Realizada pela primeira vez desde 1975 nas áreas urbanas e rurais
do país, a pesquisa, feita em 2002 e
2003, detalha todos os gastos e a
origem da renda das famílias. Ela
mostra que os brasileiros hoje
compram um número maior de
produtos e serviços.
Em contrapartida, passaram a
poupar menos e, para a maioria,
os rendimentos mensais não são
suficientes para cobrir as despesas. Quem tem renda de até R$
3.000, contingente que representa
41 milhões de famílias, ou 85% do
total, gasta, em média, mais do
que ganha.
Os alimentos perderam espaço
nos orçamentos e cederam lugar a
gastos mais sofisticados. Itens como telefone fixo, celular e energia
elétrica ocupam hoje o lugar que
no passado era deles.
Uma família gasta em média
20,75% da despesa com consumo
com o item alimentação, proporção que há 28 anos era de 33,9%.
Já a habitação, que inclui os serviços e representava 30% dos gastos
em 1975, hoje compromete 35,5%
dos gastos de consumo.
A diversificação dos gastos, explicam especialistas, foi resultado
do aumento da urbanização, da
entrada da mulher no mercado de
trabalho e de uma oferta maior de
produtos e serviços.
A economista Sonia Rocha, da
FGV (Fundação Getúlio Vargas),
aponta ainda o aumento da renda
das famílias, que possibilitou alguma "sofisticação" do padrão de
consumo médio dos brasileiros.
A queda da participação dos alimentos não significa que os brasileiros comem menos. Ela é reflexo
do fato de as pessoas terem mais
dinheiro para gastar com outros
itens e de os preços dos alimentos
terem subido relativamente menos do que os de outros produtos.
Mesmo entre as famílias, há
uma diferença acentuada: quanto
maior a renda, menor o gasto
proporcional com alimentação.
As famílias com renda de até R$
400 gastam 32,7% comprando comida, enquanto o índice é de apenas 9% nas famílias com renda
superior a R$ 6.000.
O maior número de famílias nas
cidades -a população urbana,
que era de 56% do total em 1970,
passou para 81% em 2000- levou ao crescimento do peso de
gastos com itens como transportes, que comprometia 4,66% do
orçamento em 1975 e hoje representa mais de 15%. A aquisição de
veículos, gasto para o qual os brasileiros destinavam 3,72% do orçamento representa hoje o equivalente a 5,93% dos gastos totais.
"A economia se diversificou. Na
década de 70, eram poucas as famílias que tinham acesso a bens
de consumo. Estamos colhendo
os frutos de um modelo que vem
se processando há pelo menos 30
anos", diz Eduardo Nunes, presidente do IBGE.
Falta dinheiro
A renda média da família brasileira é de R$ 1.790 e o gasto, de R$
1.778. No entanto a média esconde orçamentos muito diferentes:
famílias que ganham em média
R$ 260 gastam mais que o dobro
dos rendimentos, enquanto
quem ganha R$ 10.897 gasta mensalmente R$ 8.722.
Os pesquisadores do IBGE lembram que, em alguns casos, por
causa da informalidade no mercado de trabalho, as pessoas podem estimar uma renda menor
do que a real. "Uma família pode
ter várias fontes de renda, bicos
com pagamentos irregulares, o
que pode fazê-la estimar uma renda um pouco diferente da real",
afirma Nunes.
No entanto, avalia, a diferença
dificilmente alteraria o quadro geral. Prova disso é que, na parte da
pesquisa sobre a satisfação das famílias, a proporção que disse que
tem dificuldades para chegar ao
final do mês com o rendimento é
também de 85%.
Para lidar com a falta de renda,
diz o IBGE, a saída é a redução da
poupança e o endividamento. A
pesquisa não mede o tamanho
das dívidas das famílias, mas
mostrou que, enquanto em 1975
sobravam em média 16,5% do orçamento para investimentos como compra de imóveis e aplicações financeiras, em 2003 essa taxa caiu para 4,76%.
"O consumo aumentou de tal
forma que comprometeu a capacidade de poupança das famílias",
avalia Nunes. Entre 1975 e 2003,
os gastos com consumo subiram
de 74,6% do orçamento doméstico para 82,41%.
Imitação
A expansão do acesso à TV, rádio e outras formas de comunicação também ajudou a aumentar
os gastos com consumo, avalia
Sonia Rocha. Segundo a economista, as classes de renda mais
baixa imitam o padrão de consumo da elite, ainda que com produtos e serviços de preços mais
reduzidos. "Pobre vai comprar a
mesma moda. É a idéia do efeito
demonstração."
A despesa com jóias e bijuterias,
com os quais os brasileiros gastam em média 0,25% do orçamento, é parte desse efeito. A proporção varia pouco quando sobe
a renda: uma família com renda
de R$ 400 a R$ 600 reserva 0,23%
para comprar o item, enquanto
nas classes de renda mais alta a
proporção é de 0,25%.
Para o secretário-executivo-adjunto do Ministério do Planejamento, Elvio Gaspar, a pesquisa
ajudará o governo a calibrar as
políticas sociais.
De acordo com ele, programas
como o de distribuição de remédios e de livros didáticos e a Bolsa-Família podem ser melhor dimensionados com as informações atualizados sobre os orçamentos familiares.
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