São Paulo, quinta-feira, 20 de maio de 2004

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GASTO BRASIL

Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003, divulgada pelo IBGE, revela o perfil das despesas no país

Consumo supera renda em 85% das famílias

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

MARCELO BILLI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

As famílias brasileiras consomem mais e poupam menos do que nos anos 70. Em 85% delas, os gastos superam os rendimentos -revela a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Realizada pela primeira vez desde 1975 nas áreas urbanas e rurais do país, a pesquisa, feita em 2002 e 2003, detalha todos os gastos e a origem da renda das famílias. Ela mostra que os brasileiros hoje compram um número maior de produtos e serviços.
Em contrapartida, passaram a poupar menos e, para a maioria, os rendimentos mensais não são suficientes para cobrir as despesas. Quem tem renda de até R$ 3.000, contingente que representa 41 milhões de famílias, ou 85% do total, gasta, em média, mais do que ganha.
Os alimentos perderam espaço nos orçamentos e cederam lugar a gastos mais sofisticados. Itens como telefone fixo, celular e energia elétrica ocupam hoje o lugar que no passado era deles.
Uma família gasta em média 20,75% da despesa com consumo com o item alimentação, proporção que há 28 anos era de 33,9%. Já a habitação, que inclui os serviços e representava 30% dos gastos em 1975, hoje compromete 35,5% dos gastos de consumo.
A diversificação dos gastos, explicam especialistas, foi resultado do aumento da urbanização, da entrada da mulher no mercado de trabalho e de uma oferta maior de produtos e serviços.
A economista Sonia Rocha, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), aponta ainda o aumento da renda das famílias, que possibilitou alguma "sofisticação" do padrão de consumo médio dos brasileiros.
A queda da participação dos alimentos não significa que os brasileiros comem menos. Ela é reflexo do fato de as pessoas terem mais dinheiro para gastar com outros itens e de os preços dos alimentos terem subido relativamente menos do que os de outros produtos.
Mesmo entre as famílias, há uma diferença acentuada: quanto maior a renda, menor o gasto proporcional com alimentação. As famílias com renda de até R$ 400 gastam 32,7% comprando comida, enquanto o índice é de apenas 9% nas famílias com renda superior a R$ 6.000.
O maior número de famílias nas cidades -a população urbana, que era de 56% do total em 1970, passou para 81% em 2000- levou ao crescimento do peso de gastos com itens como transportes, que comprometia 4,66% do orçamento em 1975 e hoje representa mais de 15%. A aquisição de veículos, gasto para o qual os brasileiros destinavam 3,72% do orçamento representa hoje o equivalente a 5,93% dos gastos totais.
"A economia se diversificou. Na década de 70, eram poucas as famílias que tinham acesso a bens de consumo. Estamos colhendo os frutos de um modelo que vem se processando há pelo menos 30 anos", diz Eduardo Nunes, presidente do IBGE.

Falta dinheiro
A renda média da família brasileira é de R$ 1.790 e o gasto, de R$ 1.778. No entanto a média esconde orçamentos muito diferentes: famílias que ganham em média R$ 260 gastam mais que o dobro dos rendimentos, enquanto quem ganha R$ 10.897 gasta mensalmente R$ 8.722.
Os pesquisadores do IBGE lembram que, em alguns casos, por causa da informalidade no mercado de trabalho, as pessoas podem estimar uma renda menor do que a real. "Uma família pode ter várias fontes de renda, bicos com pagamentos irregulares, o que pode fazê-la estimar uma renda um pouco diferente da real", afirma Nunes.
No entanto, avalia, a diferença dificilmente alteraria o quadro geral. Prova disso é que, na parte da pesquisa sobre a satisfação das famílias, a proporção que disse que tem dificuldades para chegar ao final do mês com o rendimento é também de 85%.
Para lidar com a falta de renda, diz o IBGE, a saída é a redução da poupança e o endividamento. A pesquisa não mede o tamanho das dívidas das famílias, mas mostrou que, enquanto em 1975 sobravam em média 16,5% do orçamento para investimentos como compra de imóveis e aplicações financeiras, em 2003 essa taxa caiu para 4,76%.
"O consumo aumentou de tal forma que comprometeu a capacidade de poupança das famílias", avalia Nunes. Entre 1975 e 2003, os gastos com consumo subiram de 74,6% do orçamento doméstico para 82,41%.

Imitação
A expansão do acesso à TV, rádio e outras formas de comunicação também ajudou a aumentar os gastos com consumo, avalia Sonia Rocha. Segundo a economista, as classes de renda mais baixa imitam o padrão de consumo da elite, ainda que com produtos e serviços de preços mais reduzidos. "Pobre vai comprar a mesma moda. É a idéia do efeito demonstração."
A despesa com jóias e bijuterias, com os quais os brasileiros gastam em média 0,25% do orçamento, é parte desse efeito. A proporção varia pouco quando sobe a renda: uma família com renda de R$ 400 a R$ 600 reserva 0,23% para comprar o item, enquanto nas classes de renda mais alta a proporção é de 0,25%.
Para o secretário-executivo-adjunto do Ministério do Planejamento, Elvio Gaspar, a pesquisa ajudará o governo a calibrar as políticas sociais.
De acordo com ele, programas como o de distribuição de remédios e de livros didáticos e a Bolsa-Família podem ser melhor dimensionados com as informações atualizados sobre os orçamentos familiares.


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