São Paulo, Quinta-feira, 20 de Maio de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Defesa dos controles de capital (em inglês)

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Estive anteontem no fórum de debates organizado anualmente pelo ex-ministro Reis Velloso. Neste ano, além da participação de expositores nacionais, tivemos também a de alguns economistas estrangeiros, como Jan Kregel, da Unctad, Barry Eichengreen, da Universidade de Berkeley, Califórnia, e Uri Dadush, do Banco Mundial. Os dois primeiros são renomados especialistas em questões financeiras internacionais; o terceiro ocupa atualmente o cargo de diretor do Grupo de Perspectivas do Desenvolvimento no Banco Mundial.
Como se sabe, nós, brasileiros, temos uma fraqueza arraigada, talvez atávica, por tudo o que é dito ou escrito em inglês. Assim, foi muito gratificante ouvir os três economistas estrangeiros defender controles seletivos sobre os movimentos internacionais de capital.
Ainda na semana passada, eu reclamava, nesta coluna, da escassa presença do tema no debate brasileiro. O desinteresse quase geral, mesmo entre economistas, por uma questão tão importante para as perspectivas do Brasil vinha me deixando numa amarga frustração.
Insisti no assunto várias vezes nos últimos meses sem suscitar uma única e solitária reação. Constatava, aflito, o despontar dos sintomas de uma nova obsessão não correspondida (por outro lado, sem idéias fixas, não há como manter uma coluna semanal).
Mas nada como uma semana depois da outra! A preocupação com a volatilidade dos fluxos internacionais de capital foi um traço comum às intervenções dos três economistas estrangeiros. Ainda que com diferenças de ênfase e argumentação, eles coincidiram no seguinte ponto fundamental: a abertura da conta de capitais do balanço de pagamentos pode ser perigosa, particularmente para países em desenvolvimento.
A tese não é nova, mas adquiriu importância especial depois da impressionante virulência de algumas crises cambiais e financeiras dos anos 90. O trabalho apresentado pelo economista do Banco Mundial, por exemplo, embora acompanhado da ressalva de que as opiniões não devem ser atribuídas a sua instituição, sugere que a discussão do tema está bem mais avançada em Washington do que no Brasil.
Uri Dadush recapitulou as razões pelas quais economias periféricas como o Brasil costumam ser mais prejudicadas por turbulências financeiras internacionais e pelas "imperfeições endêmicas nos mercados financeiros". Nessas economias, observa Dadush, "qualquer choque adverso leva imediatamente a uma reavaliação da probabilidade de moratória", provocando saídas acentuadas de capital.
Isso significa, lembra ele, que a entrada de recursos externos pode diminuir exatamente quando ela é mais necessária. Por esses e outros motivos, esses países são forçados a responder a choques adversos com políticas monetária e fiscal mais restritivas, justamente o oposto do que seria normalmente recomendável ou do que costumam fazer os países desenvolvidos.
Dadush observa, também, que "os argumentos em favor de uma plena liberalização da conta de capitais nos países em desenvolvimento nunca foram especialmente bem desenvolvidos". E recorda, ainda, que, mesmo nas economias desenvolvidas, a liberalização completa dos fluxos internacionais de capital é um fenômeno muito recente.
Agora que o Brasil está começando a escapar da armadilha cambial em que nos aprisionaram nos últimos anos, toda essa discussão é de grande relevância para nós. Não podemos, entretanto, continuar imaginando que a solução dos nossos problemas nessa área (ou em qualquer outra) virá de fora.
Como observou um ex-presidente do Banco Central do Brasil, Paulo Pereira Lira, no debate de anteontem, o Brasil não pode se limitar a fazer apelos para que o Grupo dos 7 encontre formas de disciplinar os fluxos financeiros internacionais. Não temos tempo para esperar que os EUA, a Europa e o Japão cheguem a um acordo sobre a questão. Mais ainda, como nota Paulo Lira, as regras que vierem eventualmente a ser estabelecidas pelos países centrais atenderão, em primeira instância, a seus interesses e prioridades. Interesses e prioridades que, em geral, divergem dos nossos.
Felizmente, há muito o que pode ser feito, no plano nacional, para controlar a conta de capitais sem ferir qualquer compromisso internacional assumido pelo país e sem danificar a nossa credibilidade externa e interna.
Um sistema bem pensado de controles, aplicado de forma seletiva e criteriosa, fortalecerá consideravelmente as chances de sucesso da flutuação cambial, abrindo caminho para a retomada do crescimento econômico e para a geração de empregos.
Mas, com a conta de capitais excessivamente aberta, como está desde o início dos anos 90, corremos o risco de experimentar volatilidade exagerada da taxa cambial. Dependendo da evolução do quadro nacional e da conjuntura internacional, a flutuação poderá ser perigosamente tumultuada, obstruindo a recuperação da economia e realimentando propostas de dolarização e assemelhadas.
Nesse ambiente, as mesmas figuras carimbadas, aqui e no exterior, que hoje se declaram contrárias a restrições na conta de capitais serão as primeiras a proclamar "urbi et orbi" a inviabilidade da moeda nacional.
Por isso é que eu insisto e repito e volto a dizer: pelo amor de Deus e pela Santíssima Trindade: CONTROLEM OS MOVIMENTOS DE CAPITAL!


Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net




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