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OPINIÃO ECONÔMICA
Guerra da geladeira
BENJAMIN STEINBRUCH
Relações comerciais devem
guiar-se pelo bom senso,
mercadoria indispensável na
mais recente disputa entre Brasil
e Argentina, a denominada
"guerra da geladeira". Para o
Brasil, bom senso, neste momento, é adotar posições conciliatórias, para não transformar a disputa em uma guerra comercial de
fato. Para a Argentina, bom senso
seria olhar para os números da
balança comercial e reconhecer
que o Brasil está muito longe de
ser o responsável pelas desgraças
argentinas.
Vale a pena observar os números da tabela que acompanha este
texto: nos dez anos de existência
do Mercosul, a Argentina acumulou superávit de quase US$ 10 bilhões em seu intercâmbio comercial com o Brasil.
Em 2001 e 2002, a Argentina viveu talvez os dois anos mais dramáticos de sua história econômica, quando foi levada à atitude
desesperada da moratória e ficou
totalmente sem crédito internacional. Naqueles dois anos, por
meio de uma política comercial e
creditícia compreensiva, o Brasil
permitiu que o país vizinho mantivesse um ritmo razoável de exportações e tivesse grandes superávits (US$ 1,2 bilhão em 2001 e
US$ 2,4 bilhões em 2002), um alívio para a sua sede de divisas.
Várias vezes escrevi a favor dessa posição compreensiva do governo brasileiro, sob o argumento
de que a solidariedade de parceiros se revela nos momentos mais
difíceis. Ainda na semana passada, o chanceler brasileiro, Celso
Amorim, disse que o Brasil não
quer guerra econômica e terá paciência com Buenos Aires.
De fato, não se pode negar aos
argentinos, aos empresários e ao
governo o direito de usufruir do
seu mercado interno, que está em
forte recuperação depois de uma
recessão brutal, nem de proteger
setores que considerem estratégicos ou sensíveis para a indústria
local. Também advogo isso para o
Brasil. Mas, numa relação de parceria como a do Mercosul, é inaceitável o comportamento do tipo
"bater primeiro para conversar
depois" adotado pelo lado argentino.
Há duas semanas, o governo argentino anunciou restrições às
importações de eletrodomésticos
da linha branca e de televisores
brasileiros. Até aí, tudo bem. Inaceitável foi a medida ter sido baixada no momento em que empresários dos dois países negociavam
a criação de cotas para limitar
voluntariamente as vendas. Armada a confusão, o governo argentino explicou que a resolução
ainda dependia de regulamentação para entrar em vigor, numa
demonstração de que usara a medida de força para pressionar os
empresários brasileiros a refrear
suas reivindicações. As cotas depois fixadas para geladeiras e fogões mostram que o objetivo foi
atingido.
Para o consumidor argentino,
essa presença menor de produtos
brasileiros não é boa notícia. Os
eletrodomésticos brasileiros são
sabidamente mais baratos e de
melhor qualidade que os argentinos, por conta do atraso tecnológico e da falta de investimentos
da indústria portenha. Foram os
próprios argentinos, no governo
Carlos Menem, que levaram seu
parque industrial à ruína. Primeiro adotaram uma abertura
precipitada do mercado. Depois
extinguiram incentivos setoriais
para a industrialização e, finalmente, mantiveram até o limite
extremo uma política cambial desastrada, conhecida como "lei da
conversibilidade", que minou a
competitividade do produto argentino no exterior.
Corrigir essas distorções é um
direito e um dever dos argentinos.
Mas eles não podem usar o artifício de levantar suspeitas sobre
mecanismos brasileiros de apoio
às exportações. As linhas do
BNDES, por exemplo, estão de
acordo com as normas da OMC
(Organização Mundial do Comércio). A decantada "invasão"
de produtos brasileiros não se dá
em razão de subsídios ocultos. Se
prevalecer essa tese, outros produtos poderão sofrer novas restrições, como automóveis, têxteis,
calçados, máquinas agrícolas,
carne suína e de frango, os generais comandantes dessa "invasão".
Na semana passada, vários setores da indústria argentina já
ensaiavam retomar a discussão
sobre a importação desses produtos brasileiros, com a idéia de
criar exceções tarifárias e outras
medidas protecionistas. Até agora, o Brasil suportou com benevolência as malcriações argentinas.
Mas, convenhamos, paciência
tem limite.
Nestes tempos de metáforas futebolísticas, tão ao gosto do presidente Lula, pode-se dizer que o
Mercosul sobreviveu até agora
porque o Brasil agüentou sem reclamar uma goleada argentina,
de 10 a 0, no jogo da balança comercial durante os primeiros nove anos do acordo regional. Neste
ano, quando pela primeira vez o
Brasil fez um golzinho ao conseguir o superávit no primeiro semestre, tenta-se anulá-lo, reclama-se do juiz e propõem-se mudanças nas regras do jogo. Assim,
não dá.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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