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LUÍS NASSIF
Reavaliando a década perdida
Foram ricos, apesar da crise, os anos 80, pois foram plantadas
as sementes da transição que
poderia ter ocorrido nos 90
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ESTOU RECOLHENDO elementos
para um livro que devo lançar
em breve, "Os Cabeças de Planilha", tentando entender o que levou o país à estagnação econômica
das últimas décadas.
A partir dos dados analisados, da
sistematização das informações, há
que olhar com outros olhos a chamada "década perdida" -a maneira como os anos 80 ficaram conhecidos.
Apesar das crises políticas e econômicas, do baixo crescimento e dos
transtornos causados por uma democracia nascente, foram anos riquíssimos, em que foram plantadas
as sementes da grande transição que
poderia ter ocorrido nos anos 90.
Os conceitos de qualidade total
surgem nesse período, a partir do
Acordo Nuclear Brasil-Alemanha e
dos trabalhos da Petrobras com fornecedores.
Em 1983, técnicos do BNDES
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), capitaneados pelo mais notável economista anônimo do Brasil moderno, Júlio
Mourão, lançam as bases da "Teoria
da Integração Competitiva", diagnóstico preciso e contemporâneo,
em que identificam pela primeira
vez na crise os elementos de transição para a nova etapa do desenvolvimento. Encerrava-se o ciclo de substituição de importações, o país já dispunha de estrutura industrial madura, e a etapa seguinte seria abrir "gradativamente" (é importante anotar
a palavra) a economia, instituir a
competição interna, investir em inovação e qualidade, para poder se integrar ao mundo. O trabalho estava
antenado com o estado-da-arte das
políticas de desenvolvimento: os estudos de Michael Porter.
Ainda no governo Sarney, as idéias
do grupo permitem os primeiros esboços de abertura econômica, por
meio do técnico José Tavares.
Nos anos 80, nascem, também, as
políticas de controle ambiental, sob
a liderança de Paulo Nogueira Neto.
E, na Constituição de 1988, surgem
instrumentos fundamentais de modernização da economia, como o Código de Defesa do Consumidor, a
equiparação das multinacionais instaladas no país às empresas de capital nacional.
No plano fiscal, lançam-se os primeiros documentos legais de reorganização do orçamento, com a LDO
(Lei de Diretrizes Orçamentárias) e
os PPPs (Planos Plurianuais). Cria-se a Secretaria do Tesouro Nacional
e termina-se com a "conta-movimento" do Banco do Brasil.
No plano social, consolida-se o
SUS (Sistema Único de Saúde) e lança-se o Estatuto da Criança e do
Adolescente, além das vinculações
orçamentárias para educação.
No final dos anos 80, já havia uma
massa crítica de novos conceitos, à
espera de um estadista capaz de implementá-la. E ele surge, na pele de
Fernando Collor de Mello, cuja arrogância jogou para segundo plano a
extraordinária obra empreendida.
Não foi uma década perdida, mas
uma década de fecunda transição.
Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu, o país estava pronto.
Faltava apenas domar a inflação, o
que ocorre com o Plano Real. Em
um momento qualquer do primeiro
governo, ainda, o país perde o rumo.
Toda a massa crítica de idéias e conceitos é engolfada pela lógica dos
"cabeças de planilha". Mas, aí, o espaço da coluna acabou.
Blog: www.luisnassif.com.br
Luisnassif@uol.com.br
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