São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 2006

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LUÍS NASSIF

Reavaliando a década perdida


Foram ricos, apesar da crise, os anos 80, pois foram plantadas as sementes da transição que poderia ter ocorrido nos 90

ESTOU RECOLHENDO elementos para um livro que devo lançar em breve, "Os Cabeças de Planilha", tentando entender o que levou o país à estagnação econômica das últimas décadas.
A partir dos dados analisados, da sistematização das informações, há que olhar com outros olhos a chamada "década perdida" -a maneira como os anos 80 ficaram conhecidos. Apesar das crises políticas e econômicas, do baixo crescimento e dos transtornos causados por uma democracia nascente, foram anos riquíssimos, em que foram plantadas as sementes da grande transição que poderia ter ocorrido nos anos 90.
Os conceitos de qualidade total surgem nesse período, a partir do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha e dos trabalhos da Petrobras com fornecedores.
Em 1983, técnicos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), capitaneados pelo mais notável economista anônimo do Brasil moderno, Júlio Mourão, lançam as bases da "Teoria da Integração Competitiva", diagnóstico preciso e contemporâneo, em que identificam pela primeira vez na crise os elementos de transição para a nova etapa do desenvolvimento. Encerrava-se o ciclo de substituição de importações, o país já dispunha de estrutura industrial madura, e a etapa seguinte seria abrir "gradativamente" (é importante anotar a palavra) a economia, instituir a competição interna, investir em inovação e qualidade, para poder se integrar ao mundo. O trabalho estava antenado com o estado-da-arte das políticas de desenvolvimento: os estudos de Michael Porter.
Ainda no governo Sarney, as idéias do grupo permitem os primeiros esboços de abertura econômica, por meio do técnico José Tavares.
Nos anos 80, nascem, também, as políticas de controle ambiental, sob a liderança de Paulo Nogueira Neto. E, na Constituição de 1988, surgem instrumentos fundamentais de modernização da economia, como o Código de Defesa do Consumidor, a equiparação das multinacionais instaladas no país às empresas de capital nacional.
No plano fiscal, lançam-se os primeiros documentos legais de reorganização do orçamento, com a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e os PPPs (Planos Plurianuais). Cria-se a Secretaria do Tesouro Nacional e termina-se com a "conta-movimento" do Banco do Brasil.
No plano social, consolida-se o SUS (Sistema Único de Saúde) e lança-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, além das vinculações orçamentárias para educação.
No final dos anos 80, já havia uma massa crítica de novos conceitos, à espera de um estadista capaz de implementá-la. E ele surge, na pele de Fernando Collor de Mello, cuja arrogância jogou para segundo plano a extraordinária obra empreendida.
Não foi uma década perdida, mas uma década de fecunda transição. Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu, o país estava pronto. Faltava apenas domar a inflação, o que ocorre com o Plano Real. Em um momento qualquer do primeiro governo, ainda, o país perde o rumo. Toda a massa crítica de idéias e conceitos é engolfada pela lógica dos "cabeças de planilha". Mas, aí, o espaço da coluna acabou.


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