São Paulo, segunda-feira, 20 de agosto de 2007

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MARCOS CINTRA

Diatribe contra a CPMF


O adicional de 10% do IR, que também nasceu provisório, existe até hoje sem contestações


VIROU MODA pedir a extinção da CPMF. Mas os argumentos esgrimidos contra sua prorrogação não resistem a alguns minutos de honesta reflexão.
A alegação mais freqüente contra a CPMF é o da provisoriedade, que, por purismo semântico, justificaria a imediata cessação de suas prorrogações. Trata-se de argumento fraco e revela desconhecimento histórico.
O Imposto de Renda, hoje cantado em verso e prosa como um dos mais veneráveis tributos, nasceu provisório na Inglaterra para custear as guerras napoleônicas no início do século 19. Sua eficácia o tornou permanente, e o pragmatismo britânico liberou o país da escravidão à estúpida coerência semântica tão prezada pelos adversários da CPMF.
Mais curioso ainda é que a mesma lealdade ao vernáculo não é exigida, por exemplo, do adicional de 10% (ou 2,5 pontos percentuais) do IR das pessoas físicas, que também nasceu provisório, pela lei 9.532/97, e existe até hoje sem contestações dos semânticos inveterados.
Um segundo argumento contra a prorrogação da CPMF é um exemplar sofisma: ela nasceu para financiar os gastos com o sistema público de saúde. Ele vai mal, logo a CPMF deve ser eliminada. Por esse argumento, todos os impostos existentes no país deveriam ser extintos, já que os serviços públicos em geral são deficientes. O IPTU não garante bom asfalto nas ruas e o IPVA não resolve os problemas de trânsito. Mas, se eliminarem o IPTU, o IPVA e a CPMF, a pavimentação, o trânsito e a saúde melhorariam?
Um terceiro argumento apela para os efeitos nocivos da cumulatividade da CPMF. A alegação de que a CPMF, por ser cumulativa, encarece os produtos por sua incidência ao longo da cadeia de produção ignora que qualquer imposto encarece preços. Isso depende de alíquotas -e não de técnicas de arrecadação.
Um imposto cumulativo com alíquotas baixas terá menos impacto nos preços do que um tributo não-cumulativo com alíquotas elevadas. E sabe-se que, pelo fato de a CPMF ser insonegável, as alíquotas exigidas para um dado volume de arrecadação são significativamente mais baixas do que as aplicáveis a um tributo não-cumulativo. Há estudos da FGV mostrando que a cumulatividade da CPMF, relativamente a um tributo sobre valor agregado, reduz a inflação, eleva o emprego, acelera o crescimento do PIB e gera menos efeitos distorcivos nos preços relativos. Até agora esses estudos não foram contestados, mas mesmo assim o argumento da cumulatividade virou chavão contra a CPMF.
Finalmente o argumento da excessiva carga tributária é absolutamente "non-sequitur". Se a carga tributária é excessiva, e há concordância universal nesse ponto, por que eliminar a CPMF, e não qualquer outro imposto, com a mesma receita? Melhor ainda seria reduzir alíquotas linearmente. Ou, quem sabe, seria mais inteligente começar eliminando os impostos mais complexos, mais burocráticos, mais sonegáveis, mais iníquos do que a CPMF, como o ICMS, o IPI, a Cofins, as contribuições ao INSS etc.
Como se vê, os argumentos contra a CPMF não se sustentam. São terrivelmente frágeis. Só resta uma hipótese para justificar a cruzada anti-CPMF: politicagem misturada com interesses escusos de sonegadores e burocratas corruptos. Afinal, eles nunca toleraram a CPMF por ela ser não-declaratória e insonegável.
Roberto Campos (1917-2001) afirmou que a violência do dardo enobrece o alvo. A violenta campanha contra a CPMF lhe presta um rasgado elogio.

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 61, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

Internet: www.marcoscintra.org

mcintra@marcoscintra.org


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