|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Até quando?
MARCOS CINTRA
Tornou-se uma lamentável
rotina a seqüência de recordes de arrecadação registrados
pelo governo federal. O último relatório da Secretaria da Receita
Federal, sobre o desempenho da
arrecadação em agosto de 2004,
mostra que a derrama tributária
empreendida pelo poder público
brasileiro não dá trégua.
Em agosto deste ano, a receita
da União em termos reais (a preços de agosto de 2004, pelo IPCA),
excluindo a Previdência Social,
somou R$ 25,9 bilhões, contra
uma média de 2000 a 2003, para
o mesmo mês, de R$ 22,7 bilhões.
A arrecadação total nos oito meses do ano somou R$ 212,7 bilhões, um incremento de 10,8%
em relação ao mesmo período de
2003.
Parte desse crescimento pode
ser atribuída à recuperação da
atividade econômica neste ano
em relação ao desempenho medíocre de 2003. O IPI, que serve
como importante termômetro da
atividade industrial, registrou
crescimento real de 10%, causado
principalmente pela maior arrecadação daquele tributo sobre
veículos, que cresceu 13%.
No entanto o que cabe destacar
é a expansão real de 24% na arrecadação da Cofins, tributo cuja
alíquota foi majorada de 3% para 7,6%, quando de sua mudança
para o sistema não-cumulativo. A
Cofins gerou R$ 50,8 bilhões para
o governo em 2004, contra R$ 41
bilhões no ano anterior.
A avaliação de cada tributo na
composição da Receita Federal
revela que a Cofins foi o que mais
cresceu em termos relativos. Enquanto o IPI permaneceu representando 7% do total de 2003 para 2004, a participação da Cofins
cresceu de 21% para 24%.
A Cofins faz parte de um processo de transferência de ônus tributário para o setor de serviços. Nos
últimos dois anos, prevaleceu
uma visão de que os prestadores
de serviços eram subtributados.
Essa tese se mostrou falaciosa em
um estudo da Fundação Getúlio
Vargas, que revelou que o ônus
sobre os prestadores de serviços
em 2001 -portanto anterior às
mudanças iniciadas no ano seguinte- foi de 31,9%, ligeiramente superior ao do setor industrial, que registrou 31,4%.
Além da mudança na Cofins, a
nova lei do ISS, a mudança na base da CSLL e a alteração do PIS
compuseram o pacote de alterações das regras tributárias que fizeram do segmento de serviços o
mais prejudicado pela insaciável
sanha fiscal do poder público.
Entre todas as medidas de
transferência de carga tributária,
a mais desastrosa foi certamente
a da Cofins. Desde a medida provisória que a alterou, houve uma
sucessão absurda de novas normas e de casos especiais, o que nos
permite afirmar que a mudança
foi um das mais desastradas e patéticas "reformas" ocorridas ultimamente. Setores que levantavam a bandeira da não-cumulatividade passaram a reivindicar a
volta ao sistema antigo. Muitos
deles foram atendidos. Uma
quantidade absurda de leis, medidas provisórias, decretos, instruções normativas e atos administrativos foi editada alterando
o que se julgou ser a salvação na
área tributária. Até segmentos da
indústria passaram a sofrer com
as medidas, e o discurso anticumulatividade se enfraqueceu.
Ao que tudo indica, dificilmente o atual governo irá cumprir a
promessa de não elevar a carga
tributária brasileira. Além da
pressão da Cofins e do congelamento da tabela do Imposto de
Renda, outros setores vêm sofrendo os efeitos perniciosos de um
modelo tributário arcaico e ineficiente: os exportadores estão sendo fortemente prejudicados pela
impossibilidade de utilizar seus
créditos tributários acumulados.
Empresas que apostaram fortemente nas exportações como válvula de escape ante o anêmico desempenho do mercado interno
nos últimos anos ou cujas atividades são predominantemente
voltadas para o exterior sofrem
pressão sobre seus custos com a
desoneração das exportações,
uma vez que acumulam créditos
de insumos adquiridos no mercado interno que não conseguem
compensar. Empresas com grande participação no mercado externo, como a Vale do Rio Doce, a
Embraco e a Caemi, deixam de
considerar créditos do ICMS como ativos e provisionam valores
que ultrapassam R$ 400 milhões.
O quadro tributário que se revela na atual conjuntura é infernal
para um país asfixiado por impostos elevados, complexos e estimuladores de conflitos de toda ordem.
Ademais, uma situação inusitada está acirrando conflitos no
âmbito da chamada guerra fiscal,
a ponto de o governo do Distrito
Federal barrar, dias atrás, a entrada de produtos originários de
São Paulo, obrigando o recolhimento de ICMS antecipado na
fronteira de seu território. A decisão do governo paulista de anular
créditos do ICMS foi o estopim
para que produtos de informática
e alimentos fossem retaliados pela Secretaria da Fazenda do Distrito Federal, o que começa a ser
seguido pelo Estado de Goiás.
É preocupante o desempenho
do atual governo em relação à política tributária. Houve um compromisso de não elevar a carga de
impostos, e o que se vê é exatamente o contrário. A arrecadação
federal segue sua trajetória ascendente por conta da maior tributação no setor de serviços, há pressões altistas também nos estoques
dos créditos do IPI em litígio no
STF e do ICMS e PIS/Cofins dos
exportadores. Além disso, apesar
da declarada disposição do Congresso de barrar a guerra fiscal, o
país ainda continua vivenciando
disputas absurdas, como ocorre
entre os governos paulista, goiano
e do Distrito Federal.
Até quando o país suportará
tantos disparates?
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58, doutor pela Universidade
Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, foi deputado federal
(1999-2003). Atualmente é secretário
das Finanças de São Bernardo do Campo. É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail -
mcintra@marcoscintra.org
Texto Anterior: De volta: Qualificado obtém vaga facilmente Próximo Texto: Ações: Após semana de alta na Bovespa, corretoras mantêm as carteiras Índice
|