São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIAGNÓSTICO & RECEITA
Tributo gilete

OSIRIS LOPES FILHO
² A movimentação financeira tem sido a modalidade tributária mais submetida a manipulações. Mudaram-se o sexo, vale dizer, sua natureza jurídica, a destinação e a duração.
A habilidade cirúrgica do dr. Jatene conseguiu o prodígio de transformar a forma viril do imposto (IPMF) em feminina contribuição (CPMF).
O seu "P", indicativo de provisoriedade, nunca foi levado a sério pela tecnocracia. Deram- lhe o sentido de prorrogabilidade, eis que já foi esticada sua vigência por duas vezes e, agora, se tenta a terceira, por meio de emenda constitucional.
Uma outra vertente, bolada pela tecnocracia sensível à sedução da macheza, pretende, no bojo da reforma constitucional tributária, dar-lhe, de novo, a forma masculina de Imposto sobre Movimentação Financeira (IMF).
Passaria a ser permanente e forneceria recursos para compor o Orçamento da União. Não mais se doura a pílula, com finalidade nobre e altruística, de fornecer recursos para a saúde. A utilidade será a de socorrer o saco sem fundo da dívida pública.
Os órfãos do imposto único se assanham com a continuidade do IMF. Contam maravilhas dessa tributação. Seria insonegável, prático, e serviria como marco inicial à implantação do imposto único.
Admitir a sua insonegabilidade é típico dos que analisam o fenômeno tributário sob a ótica da candura. A retenção do tributo é feita pelos bancos. Após os escândalos do Nacional, Econômico, Bamerindus e a maracutaia das instituições financeiras na cadeia de felicidade dos precatórios, e vigorante o sigilo bancário, defender a insonegabilidade dessa incidência é ter fé marota, na honorabilidade da raposa administrando galinheiro.
A manutenção dessa incidência compromete a necessidade de exportação. Significa uma agressão violenta à redução do "custo Brasil".
A sua dupla oneração, na retirada de recursos da poupança para o consumo, e no pagamento dos fatores do processo produtivo, constitui cunha indecente no bolso da população e no caixa das empresas. É gilete, pois corta dos dois lados.
Em geral, incide sobre matéria carente de capacidade contributiva. E, quando existe, já há imposto que se aplica especificamente: o ICMS, na compra de mercadorias; o IR, no pagamento de salário; o ITBI, na compra de apartamento etc.
Lamentável nisso tudo é a condescendência do Congresso e do Judiciário com as demonstrações explícitas de doentio transformismo tributário e com a manutenção de aberrações impositivas.
²


Osiris de Azevedo Lopes Filho, 59, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.