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São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

As agências reguladoras e a terceirização do governo

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Termino hoje esta trilogia em defesa das agências reguladoras dos serviços públicos essenciais. A recente decisão do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores de defender a volta aos ministérios setoriais, do poder de regular esses serviços, estimula-me ainda mais nesta missão. É direito do governo atual procurar impor seus valores e pontos de vista à forma como o Estado brasileiro está organizado. Mas terá de fazê-lo via Congresso, discutindo com os representantes da sociedade e com a opinião pública as vantagens e desvantagens de seu modelo em relação ao atual.
Até agora, as críticas de alguns ministros do governo Lula às agências reguladoras têm sido feitas em clima de palanque eleitoral. Problemas de natureza conjuntural, como a elevada correção das tarifas em função da variação anual do IGP ou do IGP-M, são citados como provas irrefutáveis de seu fracasso. Nenhuma análise mais profunda sobre vantagens e desvantagens de um ou outro modelo veio ainda a público.
Terminei minhas reflexões da semana passada falando sobre a necessidade de estabelecer uma política de tarifas públicas que atenda dois objetivos quase sempre conflitantes: a demanda dos consumidores por preços compatíveis com sua renda nominal e a necessidade de garantir às concessionárias de serviços públicos um retorno adequado para seus investimentos.
O modelo implantado durante o governo FHC procurou lidar com essa questão trabalhando com dois conceitos: a correção anual das tarifas por um índice de preços e uma revisão desses valores de quatro em quatro anos. O primeiro mecanismo procura manter inalterado o valor real das tarifas, levando em conta os custos efetivos da concessionária para realizar suas obrigações. O segundo procura corrigir desvios que eventuais ganhos de produtividade e de eficiência ao longo desse período possam ter sobre a rentabilidade das empresas. Nesse caso, parte deles deve ser repassada para o consumidor via tarifas reais menores.
No caso do indexador a ser utilizado para a correção das tarifas, o governo tinha duas opções: o IPCA ou o IGP. O primeiro indexador é perfeito para nivelar o valor da tarifa com a renda do consumidor residencial; o segundo é uma "proxy" mais favorável para o investidor por incorporar, de maneira mais direta, o impacto da taxa de câmbio no valor da tarifa.
A maioria dos setores que respondem pelos serviços públicos essenciais é intensiva de capitais. Os investimentos, para expandir ou modernizar sua capacidade produtiva, exigem financiamentos de longo prazo a fim de financiá-los. Como não existem no Brasil -com exceção do BNDES- alternativas de recursos de longo prazo em reais, a obtenção de empréstimos em moeda forte é essencial. Por isso a importância de considerar o IGP como indexador das tarifas. Cito o caso de Itaipu, em que a única forma de viabilizar sua construção foi a vinculação de sua tarifa à taxa de câmbio.
Por esse motivo a decisão tomada em 1996, no caso do setor elétrico, e em 1998, no caso das telecomunicações, foi optar pelos IGPs. Evidente que naquele momento não se podia prever a crise cambial do ano passado e a desvalorização do real. De qualquer forma, a alteração periódica das tarifas tem a função de corrigir efeitos exagerados do IGP no retorno dos investimentos.
Outro ponto importante do sistema atual é a questão da universalização dos serviços. Em um país com distribuição de renda desigual, como o Brasil, é necessário que a oferta de serviços para as classes de renda mais baixa seja regulada de forma contratual, como obrigação dos concessionários. Esses clientes, por serem deficitários em termos econômicos, não seriam atendidos se prevalecesse apenas a lógica de mercado. Os contratos atuais são claros ao tratar essa questão.
Termino aqui estas minhas ponderações. Espero ter dado ao leitor a oportunidade de refletir sobre questões que, apesar de serem técnicas e maçantes, são necessárias para poder participar das discussões que vão ocorrer, no futuro, sobre as mudanças no modelo das agências. Quando isso ocorrer, estaremos diante de uma alternativa clara: procurar identificar alguns pontos falhos na regulação de hoje e corrigi-los a partir de uma ampla discussão pública ou entrar no clima de palanque eleitoral, que tem sido a marca das intervenções recentes de alguns membros do governo.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br



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