|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Urgência para a política industrial
LUCIANO COUTINHO
Lentamente a política industrial começa a ganhar forma com as recentes iniciativas de
redução dos custos de capital (diminuição do IPI, redução da taxa
de juros de financiamento para
equipamentos através dos programas Modermaq, Moderfrota e
Modercarga). Além disso, novas
medidas horizontais estão em
discussão, tais como a Lei da Inovação e uma política de atração
de investidores estrangeiros. A Lei
da Inovação é de alta relevância,
considerando o grande atraso
brasileiro nesse campo até mesmo
em comparação com outros países em desenvolvimento.
Esse avanço no plano das medidas horizontais trará efeitos sistêmicos positivos, mas é insuficiente. É necessário, além de maior
velocidade, um tratamento por
cadeias, explícito, a um conjunto
amplo de setores, e não apenas às
quatro áreas selecionadas como
prioritárias para políticas estruturantes (bens de capital, software, microeletrônica e fármacos).
Uma política industrial setorial
ou articulada por cadeias é imprescindível ante as especificidades das configurações destas: extensão e articulação dos elos, riscos de mercado, intensidade de
capital/tecnologia, economias de
escala/escopo/aprendizado e existência de externalidades positivas/negativas. No caso brasileiro,
é conveniente contemplar quatro
grupos de cadeias produtivas: as
com deficiências e potencial competitivo, as cadeias competitivas,
as cadeias com alta participação
de empresas estrangeiras e as cadeias intensivas em inovação tecnológica a serem estruturadas.
No primeiro grupo (bens de capital seriados, petroquímica,
transformados plásticos, construção naval, têxtil e confecções, mobiliário, cerâmica de revestimento e outros), as cadeias sofreram
as conseqüências da longa estagnação do mercado interno e/ou
ainda não completaram os processos de reestruturação iniciados
após a abertura comercial. O desafio é investir para a reestruturação produtiva, modernizar a governança, realizar fusões e aquisições para obter economias de escala e avançar em capacitação
tecnológica e na formação de redes de cooperação. O apoio à internacionalização das empresas
líderes deve ser considerado. Mas,
antes, é necessário promover a capitalização e a mudança do modelo familiar-patrimonialista.
Para certas cadeias, é essencial incentivar a inovação e fomentar a
coordenação mesoeconômica (arranjos produtivos locais e/ou especializações regionais).
O segundo grupo abrange cadeias que já têm desempenho exportador consagrado. São as do
agronegócio (café, celulose e papel, cítricos e fumo), as intensivas
em mão-de-obra (couro e calçados) e as intensivas em escala/capital, como a mineração e a siderurgia. O principal desafio é ampliar a sua atuação global para
reforçar o superávit comercial,
driblando os obstáculos protecionistas e melhorando a qualidade
dos produtos com agregação de
tecnologia/valor. É urgente ampliar a capacidade produtiva e
promover a internacionalização
das empresas brasileiras que lideram essas cadeias, o que significa
investir em logística/distribuição
e marketing para penetrar e operar em mercados externos.
No terceiro grupo, as empresas
estrangeiras lideram cadeias produtivas de bens com alto valor
agregado: automobilística, autopeças, bens eletrônicos de consumo, equipamentos de telecomunicações, bens de informática e
indústria farmacêutica. Essas empresas foram responsáveis por
parcela importante do déficit comercial nos anos 90 por causa do
aumento das importações de
equipamentos, de matérias-primas e de componentes. O desafio
é reverter a contribuição deficitária dessas cadeias à balança comercial e de serviços, valorizando
a plataforma brasileira na divisão global do trabalho intra-empresa, atraindo para as filiais sediadas no país novos produtos/
sistemas e atividades tecnológicas
mais nobres. Para isso, é necessário manejar os instrumentos adequados (tratamento tributário,
aduaneiro, tarifário, infra-estrutural, regulatório), bem como
monitorar os novos ciclos de produto para identificar as oportunidades.
O quarto grupo -cadeias/setores vitais à inovação e difusão do
progresso técnico- já está contemplado no atual projeto da política industrial. A criação de novos elos competitivos pode se basear em estratégias de "leapfrogging" de empresas nacionais já
estabelecidas ou na atração de
empresas estrangeiras. A política
tecnológica é crucial para o desenvolvimento desses setores e,
por isso, é essencial preservar a
margem de manobra brasileira
para programas de "indústria
nascente" (ante as restrições dos
acordos Trips e Trims).
É escusado reiterar que a política industrial (tecnológica e de comércio exterior) e a política macroeconômica devem ser convergentes. A sintonia fina com o Ministério da Fazenda é imprescindível. Finalmente, para não pressionar o superávit fiscal, a política
industrial tem de ser intensiva em
financiamento e capitalização a
custos reduzidos, o que representa
um desafio para o BNDES e para
o sistema financeiro. Além disso,
não pode prescindir de uma Lei
da Inovação que dote o país de
instrumentos fiscais e financeiros
similares aos utilizados nos países
desenvolvidos.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
Texto Anterior: Gato por lebre: Água da Coca tinha produto cancerígeno Próximo Texto: Luís Nassif: O mal que um dia acaba Índice
|