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TELECOMUNICAÇÕES
Disputa sobre participação acionária do banco em empresas do grupo mexicano pode impedir venda da Embratel
BNDES e Slim travam "guerra" por R$ 343 mi
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
O anúncio da compra da Embratel pelo grupo mexicano Telmex, do megaempresário Carlos
Slim Helú, na semana passada,
trouxe à tona uma guerra que vinha sendo travada nos bastidores
entre o BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico
e Social) e a América Móvil. A empresa pertence ao mesmo grupo
da Telmex e controla a rede de telefonia celular Claro no Brasil.
O BNDESPar (BNDES Participações) tem R$ 358 milhões investidos em ações da Americel e
da Telet, que pertencem à Claro.
A primeira atua no Centro-Oeste;
a segunda, no Rio Grande do Sul.
O grupo mexicano propôs ao
BNDES, em setembro de 2003, recomprar as ações por R$ 15,4 milhões, o que dá uma diferença de
R$ 342,6 milhões, cerca de US$
118 milhões. Essa discrepância entre o que o BNDESpar investiu e o
que os mexicanos propõem pagar
representa um terço do valor de
US$ 360 milhões oferecido pela
Telmex, de Carlos Slim, pela compra da Embratel.
A oferta foi recusada, e o
BNDES, que não via chances de
um acordo amigável, fez dois protestos judiciais no Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro. A Folha
teve acesso à documentação entregue à Justiça, que revela os bastidores da guerra entre as partes.
Pressão do Palácio
Como a compra da Embratel
depende de aprovação de três instâncias do governo federal
-Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações), CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e
Cade (Conselho Administrativo
de Defesa Econômica)-, há uma
forte pressão para que o grupo
mexicano resolva a pendência
com o BNDES.
O Palácio do Planalto designou
o secretário de Comunicação e
Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, e o ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, para tratar
do assunto.
O BNDES fornece os dados para
subsidiá-los, mas não participa
diretamente das discussões.
O banco avalia que há risco de
se repetir a situação que ele enfrentou em 2003 com a multinacional de energia elétrica AES. Para evitar prejuízos, o banco converteu metade de um empréstimo
de US$ 1,2 bilhão em ações de empresas do grupo AES porque as
garantias do empréstimo eram
frágeis e de difícil execução.
No caso da América Móvil, a situação para o BNDES é igualmente complicada, pois a garantia que
ele possui é um contrato assinado
pelos ex-acionistas da Telet e da
Americel prometendo que, se as
empresas fossem vendidas, o banco poderia vender sua participação pelo mesmo valor obtido pelos controladores.
Para o BNDES, caberia à América Móvil cumprir o compromisso
firmado pelos ex-acionistas. Segundo consta do protesto judicial,
o acordo não foi cumprido.
O banco quer caracterizar os R$
358 milhões investidos nas duas
empresas como dívida da América Móvil. A instituição entende
haver respaldo jurídico para que a
empresa mexicana seja considerada inadimplente e, como tal, seja lançada no cadastro de inadimplentes da União, o que a impediria de receber concessão de serviço público. Como a América Móvil e a Telmex são controladas pelo mesmo acionista -o grupo
Carso, do empresário Carlos Slim
Helú-, o BNDES entende que a
Telmex poderá ser impedida de
receber a concessão de telefonia
fixa da Embratel.
Confusão de números
O apoio financeiro à Americel e
à Telet foi aprovado pelo banco
por decisão do governo, em 1997,
de incentivar a participação de
consórcios nacionais nos leilões
das concessões da banda B de telefonia celular. As duas empresas
de celulares foram adquiridas por
um consórcio que, supostamente,
tinha 51% de suas ações com direito a voto em mãos de fundos de
pensão e dos grupos Opportunity
e La Fonte.
O restante das ações estava registrado em nome de duas empresas (Bell Canada e Telesystem)
e de um fundo de investimentos
registrado em paraísos fiscais.
Os bônus adquiridos pelo
BNDES foram posteriormente
convertidos em ações. Ele possui
18% do capital das duas teles, mas
não participa do bloco de controle, nem influencia nas decisões.
A documentação apresentada
pelo BNDES à Justiça mostra que
houve sucessivas alterações no
controle da Americel e da Telet
sem que a Anatel, que é o órgão
fiscalizador do mercado, tivesse
conhecimento delas. O grupo mexicano assumiu o controle das teles por meio de negociações indiretas, realizadas no exterior.
Segundo o banco, em 2001, os
fundos de pensão e os grupos Opportunity e La Fonte venderam o
controle acionário das duas empresas para a BCI (Bell Canada International), que tem sede nas
Ilhas Virgens Britânicas, paraíso
fiscal do Caribe.
Na ocasião, a BCI era sócia da
América Móvil em uma outra empresa, a Telecom Américas, igualmente registrada em um paraíso
fiscal (Bermudas), que passou a
concentrar os investimentos comuns na América Latina.
No dia 13 de junho de 2001, o
presidente da Telecom Américas
Brasil, Carlos Henrique Moreira,
enviou carta ao BNDES reafirmando o compromisso de comprar as ações em poder do banco
pelo "mesmo preço, em dólares,
ofertado aos fundos de pensão e
ao Opportunity". Um ano depois,
em julho de 2002, a América Móvil assumiu o controle de 96% da
Telecom Américas e, indiretamente, passou a controlar também as duas teles brasileiras.
Com a troca de comando no exterior, mudou também a atitude
da Telecom Américas em relação
ao BNDES. No dia 4 de setembro
do ano passado, o mesmo Carlos
Henrique Moreira enviou uma
outra correspondência ao presidente do banco, Carlos Lessa,
propondo pagar R$ 6,82 milhões
pelas ações da Americel e R$ 8,61
milhões pelas da Telet.
O BNDES tem dois problemas
que dificultam cobrar o cumprimento do contrato de 1997. O primeiro é o fato de a empresa Telecom Américas ter sede em um paraíso fiscal. O segundo é que a Telecom Américas não figura como
acionista controlador da Americel e da Telet perante a Anatel.
Segundo a agência, o controle
das duas empresas continua em
nome da Ameripar (subsidiária
da antiga acionista BCI). A Telecom Américas aparece com apenas 1% do capital, e o BNDES nem
aparece como acionista.
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