São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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TELECOMUNICAÇÕES

Disputa sobre participação acionária do banco em empresas do grupo mexicano pode impedir venda da Embratel

BNDES e Slim travam "guerra" por R$ 343 mi

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

O anúncio da compra da Embratel pelo grupo mexicano Telmex, do megaempresário Carlos Slim Helú, na semana passada, trouxe à tona uma guerra que vinha sendo travada nos bastidores entre o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a América Móvil. A empresa pertence ao mesmo grupo da Telmex e controla a rede de telefonia celular Claro no Brasil.
O BNDESPar (BNDES Participações) tem R$ 358 milhões investidos em ações da Americel e da Telet, que pertencem à Claro. A primeira atua no Centro-Oeste; a segunda, no Rio Grande do Sul.
O grupo mexicano propôs ao BNDES, em setembro de 2003, recomprar as ações por R$ 15,4 milhões, o que dá uma diferença de R$ 342,6 milhões, cerca de US$ 118 milhões. Essa discrepância entre o que o BNDESpar investiu e o que os mexicanos propõem pagar representa um terço do valor de US$ 360 milhões oferecido pela Telmex, de Carlos Slim, pela compra da Embratel.
A oferta foi recusada, e o BNDES, que não via chances de um acordo amigável, fez dois protestos judiciais no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A Folha teve acesso à documentação entregue à Justiça, que revela os bastidores da guerra entre as partes.

Pressão do Palácio
Como a compra da Embratel depende de aprovação de três instâncias do governo federal -Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)-, há uma forte pressão para que o grupo mexicano resolva a pendência com o BNDES.
O Palácio do Planalto designou o secretário de Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, e o ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, para tratar do assunto.
O BNDES fornece os dados para subsidiá-los, mas não participa diretamente das discussões.
O banco avalia que há risco de se repetir a situação que ele enfrentou em 2003 com a multinacional de energia elétrica AES. Para evitar prejuízos, o banco converteu metade de um empréstimo de US$ 1,2 bilhão em ações de empresas do grupo AES porque as garantias do empréstimo eram frágeis e de difícil execução.
No caso da América Móvil, a situação para o BNDES é igualmente complicada, pois a garantia que ele possui é um contrato assinado pelos ex-acionistas da Telet e da Americel prometendo que, se as empresas fossem vendidas, o banco poderia vender sua participação pelo mesmo valor obtido pelos controladores.
Para o BNDES, caberia à América Móvil cumprir o compromisso firmado pelos ex-acionistas. Segundo consta do protesto judicial, o acordo não foi cumprido.
O banco quer caracterizar os R$ 358 milhões investidos nas duas empresas como dívida da América Móvil. A instituição entende haver respaldo jurídico para que a empresa mexicana seja considerada inadimplente e, como tal, seja lançada no cadastro de inadimplentes da União, o que a impediria de receber concessão de serviço público. Como a América Móvil e a Telmex são controladas pelo mesmo acionista -o grupo Carso, do empresário Carlos Slim Helú-, o BNDES entende que a Telmex poderá ser impedida de receber a concessão de telefonia fixa da Embratel.

Confusão de números
O apoio financeiro à Americel e à Telet foi aprovado pelo banco por decisão do governo, em 1997, de incentivar a participação de consórcios nacionais nos leilões das concessões da banda B de telefonia celular. As duas empresas de celulares foram adquiridas por um consórcio que, supostamente, tinha 51% de suas ações com direito a voto em mãos de fundos de pensão e dos grupos Opportunity e La Fonte.
O restante das ações estava registrado em nome de duas empresas (Bell Canada e Telesystem) e de um fundo de investimentos registrado em paraísos fiscais.
Os bônus adquiridos pelo BNDES foram posteriormente convertidos em ações. Ele possui 18% do capital das duas teles, mas não participa do bloco de controle, nem influencia nas decisões.
A documentação apresentada pelo BNDES à Justiça mostra que houve sucessivas alterações no controle da Americel e da Telet sem que a Anatel, que é o órgão fiscalizador do mercado, tivesse conhecimento delas. O grupo mexicano assumiu o controle das teles por meio de negociações indiretas, realizadas no exterior.
Segundo o banco, em 2001, os fundos de pensão e os grupos Opportunity e La Fonte venderam o controle acionário das duas empresas para a BCI (Bell Canada International), que tem sede nas Ilhas Virgens Britânicas, paraíso fiscal do Caribe.
Na ocasião, a BCI era sócia da América Móvil em uma outra empresa, a Telecom Américas, igualmente registrada em um paraíso fiscal (Bermudas), que passou a concentrar os investimentos comuns na América Latina.
No dia 13 de junho de 2001, o presidente da Telecom Américas Brasil, Carlos Henrique Moreira, enviou carta ao BNDES reafirmando o compromisso de comprar as ações em poder do banco pelo "mesmo preço, em dólares, ofertado aos fundos de pensão e ao Opportunity". Um ano depois, em julho de 2002, a América Móvil assumiu o controle de 96% da Telecom Américas e, indiretamente, passou a controlar também as duas teles brasileiras.
Com a troca de comando no exterior, mudou também a atitude da Telecom Américas em relação ao BNDES. No dia 4 de setembro do ano passado, o mesmo Carlos Henrique Moreira enviou uma outra correspondência ao presidente do banco, Carlos Lessa, propondo pagar R$ 6,82 milhões pelas ações da Americel e R$ 8,61 milhões pelas da Telet.
O BNDES tem dois problemas que dificultam cobrar o cumprimento do contrato de 1997. O primeiro é o fato de a empresa Telecom Américas ter sede em um paraíso fiscal. O segundo é que a Telecom Américas não figura como acionista controlador da Americel e da Telet perante a Anatel.
Segundo a agência, o controle das duas empresas continua em nome da Ameripar (subsidiária da antiga acionista BCI). A Telecom Américas aparece com apenas 1% do capital, e o BNDES nem aparece como acionista.


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