São Paulo, terça-feira, 21 de março de 2006

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COMUNICAÇÕES

Rede vê influência no governo de fatores alheios ao assunto, como criação de empregos e investimentos

Globo teme rumo da discussão da TV digital

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

É de preocupação o clima na Rede Globo quanto ao rumo da discussões no governo para a escolha do sistema de televisão digital. Para os executivos da empresa que acompanham o assunto de perto, a discussão tomou um caminho perigoso ao priorizar a implantação de uma fábrica de semicondutores no país.
A confiança na escolha do padrão japonês -defendido pela Globo e pela grande maioria dos radiodifusores- foi substituída por uma crescente apreensão, à medida em que a União Européia promete apresentar, nos próximos dias, uma proposta efetiva para a construção da fábrica.
Duas semanas atrás, a Folha noticiou que o presidente Lula já tinha se decidido pelo padrão japonês, atendendo aos radiodifiusores. O anúncio oficial era esperado para o último dia 11, mas o comitê de ministros que estuda o assunto pediu um prazo adicional para examinar as ofertas dos concorrentes. Desde então, os europeus fazem uma grande ofensiva para reverter o jogo.
Em entrevista à Folha, os diretores da Rede Globo de Engenharia, Fernando Bittencourt, e de Relações Institucionais, Evandro Guimarães, demonstraram preocupação da empresa com a possibilidade de o sistema de TV digital vir a ser escolhido em razão de contrapartidas que não tenham relação com as prioridades das emissoras de televisão.

Terno por cimento
"É como se eu fosse comprar um terno e o gerente me oferecesse três sacos de cimento como contrapartida para eu levar um modelo que não me serve", disse Bittencourt.
Três tecnologias estão na disputa: a norte-americano (ATSC), a européia (DVB) e a japonesa (ISDB). Mas, como o padrão norte-americano não comporta a transmissão para aparelhos móveis (como telefones celulares), ela acabou polarizada entre os sistemas japonês e europeu.
Estima-se que as emissoras, em seu conjunto, terão de investir US$ 500 milhões para montar as redes de retransmissão com a nova tecnologia digital. As TVs, hoje, funcionam com sistema analógico.
Evandro Guimarães, diretor de Relações Institucionais, disse que todos os radiodifusores estão apreensivos. O receio é de que o debate em torno da implantação da fábrica acabe empurrando o governo para uma sinuca e que ele se veja forçado a fazer a escolha em razão de temas que, embora importantes -como geração de empregos na indústria e transferência de tecnologia-, não têm a ver com o ponto central da discussão, que é a migração da radiodifusão do sistema analógico para o digital.
"Se a preocupação é a geração de empregos na indústria, a escolha do sistema japonês vai impulsionar a produção de milhões televisores portáteis para ônibus, trens, barcos e táxis", diz Bittencourt.
A construção da fábrica de semicondutores foi colocada na pauta de discussão pelo próprio governo. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, tem repetido que o único valor agregado pelo Brasil na montagem de produtos eletrônicos é a embalagem.
O assunto veio à tona quando o governo divulgou que os japoneses teriam se comprometido com a construção da fábrica de semicondutores, durante visita de executivos da Nec, da Sony, da Panosonic e da Toshiba, ao Brasil, há duas semanas.
O consultor do sistema japonês Murilo Pederneiras esclareceu que as empresas prometeram examinar o assunto junto com o governo, mas não se comprometeram de antemão com a construção da fábrica, que exigiria investimentos da ordem de US$ 2 bilhões.
A reação inicial dos europeus foi de ceticismo. O presidente da Philips, Marcos Magalhães, chegou a declarar que o Brasil perdeu o "bonde da história" da indústria de semicondutores, no início dos anos 1990, e que não haveria mais retorno. Mas, em seguida, a ST Electronics (franco-italiana) anunciou também estar disposta a implantar a fábrica em troca da escolha do sistema europeu para a TV digital brasileira.
A ST Electronics, juntamente com Philips (holandesa), Siemens (alemã), Thomson (francesa), Nokia (finlandesa) e Rohde & Schwarz (alemã) integram a "coalizão DVB" para contrapor o lobby dos radiodifusores pelo sistema japonês.


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