São Paulo, domingo, 21 de março de 2010

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ALBERT FISHLOW

Nas últimas?


É parte fascinante da história dos EUA que tantos tenham tentado, sem sucesso, garantir cobertura universal de saúde


O PRESIDENTE Obama decidiu apostar seu futuro político na reforma do sistema de saúde. A votação decisiva deve acontecer hoje. Ele decidiu adiar para junho a viagem que tinha planejado à Ásia, a fim de ficar em Washington e continuar a busca pela maioria necessária na Câmara dos Deputados.
O povo norte-americano -ou o de qualquer outro país- jamais enfrentou a sofisticação parlamentar de manobras como o "deem and pass" ou a "conciliação", que estão por trás da votação iminente. Esses esforços surgiram como resultado da total incapacidade do governo para atrair apoio republicano à medida. O partido mantém oposição sólida, na esperança de derrotar o projeto ou, caso isso não seja possível, conquistar amplo apoio para a eleição legislativa de novembro.
Por que essa questão se tornou um confronto ideológico tão fundamental?
Um dos motivos é a magnitude do problema. No momento, os gastos com a saúde excedem 16% do PIB (Produto Interno Bruto). Essa fatia vem crescendo à medida que aumenta a proporção da população com idade superior a 65 anos. No entanto, restam cerca de 40 milhões de pessoas que ainda não contam com acesso legítimo à cobertura de saúde. Algumas delas dependem de prontos-socorros em caso de necessidade, e o custo desse atendimento é transferido às pessoas que têm planos de saúde, causando alta de custos e restrição da cobertura às pessoas que têm menos probabilidade de necessitar dela.
Foi por isso, é claro, que a opção pública -como acontece na maioria dos demais países- se tornou parte tão central do debate. A ideia não sobreviveu nessa primeira rodada, mas claramente retornará quando a alta dos custos continuar. Uma maneira segura de impor limites aos custos de saúde é negar cobertura aos idosos. Cerca de 40% dos custos médicos de uma vida ocorrem hoje em dia em seus últimos seis meses. Essa questão ética, embora não expressa, continuará a ser parte da história futura. É fácil criticar o racionamento de serviços para conter custos.
Um segundo fator é a complexidade da questão. Mercados totalmente livres simplesmente não funcionam nessa área. Como utilizar algumas de suas outras características, acompanhadas por intervenção inteligente, é o tema de todas as discussões. Estamos literalmente tratando de questões de vida e morte. Assim, a discussão do pacote de reforma da saúde retorna basicamente às prioridades básicas das pessoas, o que torna muito mais difícil chegar a um compromisso. É parte fascinante da história dos Estados Unidos que tantos líderes tenham tentado, sem sucesso, garantir uma cobertura universal de saúde.
Por fim, temos o momento atual, com uma recuperação econômica ainda modesta, o desemprego em nível ainda elevado, rápida alta na dívida nacional, taxas mundiais de câmbio em desequilíbrio, o conflito no Oriente Médio ainda em curso, o aquecimento global por enfrentar, e muito mais. Optar por fazer da reforma da saúde a primeira questão-chave de seu governo foi decisão de Obama.
Ironicamente, sua plataforma de campanha presidencial oferecia menos do que o projeto de lei agora em debate. Caso ele vença, e em seguida promova a reforma financeira, mudanças na política educacional e comece a enfrentar outras questões, suspeito que os democratas se sairão muito melhor nas eleições do final do ano do que a maioria dos observadores prevê. As pessoas costumam esquecer suas passadas paixões.
E, igualmente importante, Obama ganhará grande prestígio internacional. O sucesso no cenário interno pode resultar em importantes avanços nas negociações com outros países.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

ALBERT FISHLOW, 74, é professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna. afishlow@uol.com.br"


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