São Paulo, domingo, 21 de março de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Os ricos deprimidos e o Brasil


Crise da dívida europeia mal começou, e deve conter o PIB europeu ao menos até 2014; a princípio, Brasil pode ganhar


A CRISE da dívida europeia ainda nos parece um assunto exótico, com exceção dos momentos em que o risco de calote na eurozona ameaça detonar o "real forte" (isto é, encarecer o dólar).
Mas o assunto vai nos interessar pelo menos até a Copa de 2014. Por ora, a crise da dívida dos países da União Europeia (UE) chama-se Grécia. Como previsto, os problemas que a Grécia e seu governo enfrentam para fechar suas contas públicas e externas não terminaram quando a UE deu um discreto sinal de que talvez bancasse o rombo.
Com tal garantia, ainda que muito discreta, o mercado suspendeu a aposta na bancarrota helena, e a Grécia conseguiu tomar um dinheiro emprestado para pagar as contas até o fim do mês, literalmente.
Na semana que vem, a UE decide o que faz dos gregos. Pode oferecer uma cobertura real para um eventual calote. Pode financiar diretamente a Grécia. Ou pode armar um pacote com o FMI, o que os gregos ameaçam fazer desde já, para vexame da Europa e do euro, coisa que a França quer evitar. Mas o governo alemão, caixa continental, talvez aceite a intervenção do FMI, pressionado que está por um eleitorado que detesta deficit e tem desprezo pelos vizinhos negligentes do Sul.
Até aí a novela não tem grande novidade. Mas o recurso ao FMI ou, talvez pior, a um "socorro" alemão, significa uma intervenção de fato no governo grego, com arrocho feio e mais um ou dois anos de recessão.
Mas o drama não é apenas grego. Há outros países com deficit externos e fiscais (do governo) grandes, como Portugal. E a eurozona toda está hiperendividada devido aos gastos com estímulos à economia e com a salvação da banca. Logo, também terão de cortar muito dos gastos públicos, o que vai conter investimentos em infraestrutura (o que diminui a produtividade das economias). De resto, o corte de gasto público por si só talha o crescimento.
Segundo estimativas da "Economist Intelligence Unit", o deficit público britânico irá a 13,5% neste ano (o do Brasil deve cair a 2%). Ainda seria de 8% em 2014. A conta de juros irá dos 2% do PIB de antes da crise para 6,5% do PIB. A desgraça é semelhante pelo resto da Europa.
A conta da dívida pode ficar ainda maior em caso de calote, ou quase isso, de algum país europeu. Os juros disparariam, haveria fuga de capitais, risco de crise bancária, o diabo.
Caso essas economias consigam cortar gastos e deprimir o consumo doméstico, uma fonte possível de dinamismo seriam as exportações. Mas a Alemanha abocanha esse mercado. Seu crescimento depende disso, a não ser que altere o "modus" poupador de sua economia. Em relação a terceiros mercados, a China leva a melhor, com seus salários baixos e sua moeda desvalorizada.
E o Brasil com isso? Num mundo sem catástrofes, o capital sem rumo, sem chance alternativa de rentabilidade maior, pode aportar por aqui. Podemos nos beneficiar da letargia europeia. Mas se a baixa econômica no mundo rico durar demais, para quem vamos exportar a fim de obter fundos para bancar nossas contas externas? Temos alguns anos de oportunidades pela frente. Mas temos de tomar conta do nosso consumo excessivo, em especial do governo, e do deficit externo crescente.

vinit@uol.com.br


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