São Paulo, domingo, 21 de abril de 2002

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RECALL DA PRIVATIZAÇÃO

BNDES financia a correção das falhas da desestatização; leia dossiê sobre o tema da página B3 à B5

Conserto da privatização exige até R$ 9 bi

CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO

HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O socorro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para resolver problemas em setores privatizados já soma R$ 3,1 bilhões. Pode subir para R$ 9,4 bilhões caso se confirme o socorro extra de R$ 6,3 bilhões estimado pelo governo para financiar o pós-apagão das empresas do setor elétrico.
Não se trata de dinheiro a fundo perdido, mas de empréstimos a juro baixo e financiamentos. Mas especialistas ouvidos pela Folha avaliam que, se inevitáveis, os socorros devem ter contrapartidas claramente definidas, ou a juros superiores aos normalmente praticados pelo BNDES.
Até agora o socorro às elétricas está em R$ 1,2 bilhão e limitou-se a empresas de distribuição de energia, entre ex-estatais e empresas de origem privada. As ex-estatais ficaram com 89,8% do total emprestado nessa primeira fase.
O dinheiro é uma antecipação do que as empresas irão arrecadar, por meio do aumento de tarifas, para compensar perdas que, argumentam, tiveram com o racionamento de energia. Além das distribuidoras, o empréstimo do BNDES, com recursos repassados pelo Tesouro Nacional, atingirá também as empresas de geração e transmissão de energia elétrica.
Os outros socorros já concretizados atenderam ao setor siderúrgico-minerador e ao de telecomunicações. Para viabilizar a operação de descruzamento de participações acionárias entre controladores da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e da Companhia Vale do Rio Doce, o BNDES mobilizou R$ 1,25 bilhão, sendo R$ 762,25 milhões (US$ 390 milhões) em dinheiro novo emprestado ao grupo Vicunha.
O Vicunha passou a controlar a CSN sozinho, separando-se de fundos de pensão e do Bradesco. Além do empréstimo recebido para viabilizar a operação, obteve do BNDES o refinanciamento de uma dívida de US$ 250 milhões (R$ 488 milhões em janeiro de 2001), remanescente da época em que participou do leilão da CSN (abril de 1993).

Imposição
A terceira intervenção do BNDES foi uma ajuda imposta. A partir da conclusão de que o consórcio vencedor do leilão da Tele Norte Leste (hoje Telemar) não estava em condições de gerir a empresa sozinho, a direção do banco decidiu impor ao consórcio uma participação acionária estatal de 25% -R$ 686,8 milhões. Nesse caso, o socorro até agora foi rentável. No balanço de dezembro do ano passado da BNDESPar (BNDES Participações), as ações da Telemar estavam avaliadas em R$ 1,65 bilhão, uma valorização de 140% em pouco mais de três anos.
No setor ferroviário, o banco já negocia uma reestruturação da dívida da ex-Malha Nordeste da Rede Ferroviária Federal. A malha, hoje CFN (Companhia Ferroviária do Nordeste), é considerada inviável na forma atual.
Outro socorro considerado inevitável é ao setor petroquímico. Os grupos Odebrecht e Mariani assumiram o controle da Copene (Companhia Petroquímica do Nordeste), derrotando o Ultra, que contava com o apoio do BNDES. Mas já começaram as negociações entre o banco e os novos controladores para viabilizar a Braskem, empresa que nascerá da união da Copene com a OPP (Odebrecht Petroquímica) e que tem um elevado endividamento.

Selic
No caso das elétricas, o BNDES adotou a atitude reclamada pelo economista Carlos de Freitas, ex-diretor do BC, para todas as operações de socorro em relação ao custo do dinheiro: está cobrando taxa Selic (a taxa básica de juros do país, hoje em 18,5%) mais 1% de taxa de administração.
Para Freitas, os novos acionistas das empresas privatizadas têm que dispor de capital próprio para tocar esses negócios. Se tiverem dificuldades, que vendam suas participações. Os juros de longo prazo do BNDES estão na faixa de 10% ao ano, mais um percentual que vai a, no máximo, 5% ao ano.
O economista Fernando Cardim, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, disse que, na pressa de fazer caixa, o Brasil vendeu as empresas antes de regular os setores privatizados. Para ele, a falta de alternativas torna inevitável que o BNDES socorra as ex-estatais em dificuldades. "Não se pode criar um incentivo perverso. Algo como ter um grande pai que lhe tira da cadeia se você for pego fumando maconha. Isso não é economia de mercado."



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