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RECALL DA PRIVATIZAÇÃO
BNDES financia a correção das falhas da desestatização; leia dossiê sobre o tema da página B3 à B5
Conserto da privatização exige até R$ 9 bi
CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO
HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O socorro do BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) para resolver
problemas em setores privatizados já soma R$ 3,1 bilhões. Pode
subir para R$ 9,4 bilhões caso se
confirme o socorro extra de R$ 6,3
bilhões estimado pelo governo
para financiar o pós-apagão das
empresas do setor elétrico.
Não se trata de dinheiro a fundo
perdido, mas de empréstimos a
juro baixo e financiamentos. Mas
especialistas ouvidos pela Folha
avaliam que, se inevitáveis, os socorros devem ter contrapartidas
claramente definidas, ou a juros
superiores aos normalmente praticados pelo BNDES.
Até agora o socorro às elétricas
está em R$ 1,2 bilhão e limitou-se
a empresas de distribuição de
energia, entre ex-estatais e empresas de origem privada. As ex-estatais ficaram com 89,8% do total
emprestado nessa primeira fase.
O dinheiro é uma antecipação
do que as empresas irão arrecadar, por meio do aumento de tarifas, para compensar perdas que,
argumentam, tiveram com o racionamento de energia. Além das
distribuidoras, o empréstimo do
BNDES, com recursos repassados
pelo Tesouro Nacional, atingirá
também as empresas de geração e
transmissão de energia elétrica.
Os outros socorros já concretizados atenderam ao setor siderúrgico-minerador e ao de telecomunicações. Para viabilizar a operação de descruzamento de participações acionárias entre controladores da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e da Companhia Vale do Rio Doce, o BNDES
mobilizou R$ 1,25 bilhão, sendo
R$ 762,25 milhões (US$ 390 milhões) em dinheiro novo emprestado ao grupo Vicunha.
O Vicunha passou a controlar a
CSN sozinho, separando-se de
fundos de pensão e do Bradesco.
Além do empréstimo recebido
para viabilizar a operação, obteve
do BNDES o refinanciamento de
uma dívida de US$ 250 milhões
(R$ 488 milhões em janeiro de
2001), remanescente da época em
que participou do leilão da CSN
(abril de 1993).
Imposição
A terceira intervenção do
BNDES foi uma ajuda imposta. A
partir da conclusão de que o consórcio vencedor do leilão da Tele
Norte Leste (hoje Telemar) não
estava em condições de gerir a
empresa sozinho, a direção do
banco decidiu impor ao consórcio uma participação acionária
estatal de 25% -R$ 686,8 milhões. Nesse caso, o socorro até
agora foi rentável. No balanço de
dezembro do ano passado da
BNDESPar (BNDES Participações), as ações da Telemar estavam avaliadas em R$ 1,65 bilhão,
uma valorização de 140% em
pouco mais de três anos.
No setor ferroviário, o banco já
negocia uma reestruturação da
dívida da ex-Malha Nordeste da
Rede Ferroviária Federal. A malha, hoje CFN (Companhia Ferroviária do Nordeste), é considerada inviável na forma atual.
Outro socorro considerado inevitável é ao setor petroquímico.
Os grupos Odebrecht e Mariani
assumiram o controle da Copene
(Companhia Petroquímica do
Nordeste), derrotando o Ultra,
que contava com o apoio do
BNDES. Mas já começaram as negociações entre o banco e os novos controladores para viabilizar
a Braskem, empresa que nascerá
da união da Copene com a OPP
(Odebrecht Petroquímica) e que
tem um elevado endividamento.
Selic
No caso das elétricas, o BNDES
adotou a atitude reclamada pelo
economista Carlos de Freitas, ex-diretor do BC, para todas as operações de socorro em relação ao
custo do dinheiro: está cobrando
taxa Selic (a taxa básica de juros
do país, hoje em 18,5%) mais 1%
de taxa de administração.
Para Freitas, os novos acionistas
das empresas privatizadas têm
que dispor de capital próprio para
tocar esses negócios. Se tiverem
dificuldades, que vendam suas
participações. Os juros de longo
prazo do BNDES estão na faixa de
10% ao ano, mais um percentual
que vai a, no máximo, 5% ao ano.
O economista Fernando Cardim, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, disse que, na pressa de fazer caixa, o Brasil vendeu
as empresas antes de regular os
setores privatizados. Para ele, a
falta de alternativas torna inevitável que o BNDES socorra as ex-estatais em dificuldades. "Não se
pode criar um incentivo perverso.
Algo como ter um grande pai que
lhe tira da cadeia se você for pego
fumando maconha. Isso não é
economia de mercado."
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