São Paulo, domingo, 21 de abril de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Agências precisam de reforma geral, dizem especialistas

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A economia brasileira passa por uma crise de regulação: foram nove meses de racionamento por falta de coordenação no setor elétrico, os preços dos combustíveis - que são definidos por um monopólio- alimentam a inflação e as empresas de telefonia declararam guerra ao regulador do setor.
Uma política eficaz de estímulo à concorrência poderia ter evitado as crises, mas, dizem especialistas, faltam recursos, experiência e autonomia às agências reguladoras brasileiras, que precisam passar por reformas.
Com exceção da Anatel, que faz a regulação do setor de telefonia, as agências nem sequer conseguiram contratar corpo técnico adequado para fiscalizar as empresas reguladas. Mesmo a Anatel tem perdido técnicos para o setor privado, que paga salários melhores.
A Aneel, que regula o setor elétrico, acabou desmoralizada com a crise do setor. A criação da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica -o ministério do apagão- destruiu a independência da agência, que já sofria com o ônus de não ter conseguido prever e evitar a crise energética.
A ANP (Agência Nacional do Petróleo) não consegue estabelecer a concorrência no setor. A agência gastou R$ 108 milhões no ano passado para regular um setor dominado pela Petrobras, que fatura mais de R$ 70 bilhões.
Os especialistas definem a independência de forma simples: o regulador é independente quando só o Judiciário tem poder para rever suas decisões. O Executivo não pode, uma vez definidas as funções da agência, influir na avaliação dos reguladores.
Por um motivo simples: quanto mais uma agência fica sujeita a intervenções políticas, mais instáveis ficam as regras do setor. Como a expansão dos serviços depende de investimento privado, a redução da independência das agências se transforma, cedo ou tarde, em menos investimentos.
"Só agências bem estruturadas e independentes oferecem segurança. O governo pode cobrir as perdas das empresas elétricas. Mas quem garante que a medida não será contestada? Quem garante que novas ingerências não vão mudar as regras do jogo?", diz Pedro Dutra, advogado especializado em direito da concorrência.
As agências também deveriam ser fortes o bastante para resistir às pressões das empresas que regulam. Os conflitos entre empresas e o regulador sempre vão ocorrer. "Sempre existirão conflitos. Não se pode agradar a gregos e a troianos. Se os problemas não existissem, não precisava existir uma agência", diz a economista e consultora em telecomunicações Alejandra Herrera.
Por isso, afirma a economista, todas as agências deveriam estar aparelhadas e preparadas para enfrentar os lobistas com técnicos capacitados e pessoal suficiente para "policiar" o setor.
O trabalho de uma agência fica mais fácil quando o setor regulado é reestruturado e as regras a que estarão sujeitas as empresas definidas previamente. Esse foi o caso da Anatel, considerada a agência "modelo" no Brasil.
Com a Lei Geral das Telecomunicações, o setor foi, a partir de 1997, reformulado. A Telebrás desapareceu para ceder lugar a várias empresas sujeitas às normas definidas pela lei. O trabalho da Anatel era fazer cumprir a lei, garantindo que as metas das empresas fossem atingidas. "Tudo o que a Anatel precisava fazer já estava predeterminado. Só era necessário empenho", diz Alejandra.
A ANP e a Aneel não tiveram a mesma sorte. No setor de petróleo, a Petrobras continua sendo um monopólio. A Aneel começou a trabalhar quando a privatização já havia começado e não havia regras definidas para o setor. A concorrência no mercado de geração de energia não saiu do papel.
"Esse é um problema sério. O setor de petróleo deixou de ser um monopólio legal, mas é um monopólio de fato. No setor elétrico foi uma confusão: privatizaram sem fazer as regras", avalia o economista Arthur Barrionuevo, da Eaesp-FGV (Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas).



Texto Anterior: Outro lado: Para Anatel,operação foi dentro da lei
Próximo Texto: Salários baixos comprometem independência
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.