São Paulo, domingo, 21 de abril de 2002

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MP que ajuda empresas após apagão cria mais subsídio e financiamento e também beneficia indústrias

Lei de perdas dá ganho extra ao setor elétrico

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL


Passou uma boiada pela porteira da MP 14, a medida provisória aprovada na terça-feira passada pelo Senado e que regulamentou a compensação das perdas reclamadas pelas empresas do setor elétrico com o racionamento.
Alguns desses "bois" entraram na última hora, tangidos pelas mãos do relator da MP, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA). Total da fatura, segundo especialistas do setor ouvidos pela Folha: R$ 22,6 bilhões [veja quadro".
Esses especialistas dizem que na conta que está sendo paga pelos consumidores -via aumento de tarifas em vigor desde 1º de janeiro- entraram subsídios à conta de luz de setores da indústria, o financiamento dos gasodutos a serem construídos para alimentar as termelétricas do programa emergencial e uma conta que é uma caixa-preta, a da energia "livre" comercializada no MAE (Mercado Atacadista de Energia).

Na última hora
Parte dos custos inseridos na MP para serem cobertos pelos aumentos de 2,9% para os consumidores residenciais e 7,9% para os industriais e comerciais foram introduzidos na última hora pelo relator do projeto, afirmam especialistas.
Uma das mudanças é um subsídio de duas mãos aos setores industriais grandes consumidores de energia (fabricantes de cimento, alumínio, ferroligas e siderurgia). "Os benefícios às indústrias eletrointensivas entraram na última hora, não constavam da versão original da MP, isto é, o acordo firmado em dezembro pelo setor", diz Ildo Sauer, professor de pós-graduação em energia da USP (Universidade de São Paulo).
Enquanto toda a indústria teve um reajuste de 7,9% nas tarifas, os eletrointensivos foram premiados com um reajuste de 2,9%. Pelas contas de Sauer, Aleluia promoveu um alívio de R$ 120 milhões por ano ou R$ 720 milhões em seis anos (tempo que deverá durar o reajuste tarifário extraordinário) só para os setores siderúrgico, de alumínio e ferroligas.
Além desse "desconto" nas contas de luz, esses setores industriais ainda têm uns trocados a receber. Segundo Sauer, de acordo com o artigo 1º, parágrafo 8º da medida provisória aprovada, a CBEE (Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial), estatal criada no ano passado, poderá recomprar a energia não usada por essas indústrias se elas se dispuserem a reduzir seu consumo em determinados horários.
Detalhe: a recompra seria feita pelo preço da energia gerada pelas termelétricas, que é de R$ 150 o megawatt/hora. "Trata-se de um ótimo negócio: as indústrias compram energia por um preço entre R$ 20 e R$ 40 o megawatt/hora e a revenderão à CBEE por R$ 150 o megawatt/hora", observa Sauer. Outra alteração feita pelo relator, segundo James Correia, professor da Universidade Federal da Bahia, foi a introdução no artigo 13, parágrafo 7º, de mecanismos que viabilizam os investimentos na construção de gasodutos para movimentar as termelétricas a serem construídas dentro do programa emergencial.
Segundo Correia, que participou da elaboração do plano do racionamento, a construção de termelétricas vem sendo dificultada pela inexistência de gasoduto em diversas regiões. "Como as térmicas entram como energia complementar no sistema, se chover e elas forem pouco acionadas, consumirão menos gás", diz.
O construtor do gasoduto acabará transportando menos e terá um déficit. Pela MP 14, esse déficit será pago pela rede básica de transmissão e irá para a tarifa. "Foi um mecanismo inteligente, pois os gasodutos não eram construídos devido à falta de garantias do retorno do investimento", defende Correia.
Na MP 14 entrou também uma conta que será apresentada no futuro aos pagadores de sempre - os consumidores. O artigo 3º da MP 14 cria o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia), que pretende aumentar a participação da energia eólica (gerada por ventos), de biomassa (que usa o bagaço de cana) e de pequenas usinas hidrelétricas na matriz energética do país.
O objetivo pode ser nobre -garantir que pelo menos 10% do consumo do país seja de energia "limpa", sem risco ambiental. Mas a conta é salgada: o Proinfa define que a Eletrobrás, a gigante estatal, garantirá a compra e o preço das energias alternativas.
Só na primeira etapa do programa serão implantados, até 2006, projetos capazes de gerar 3.300 megawatts. Essa energia terá um custo de produção estimado em US$ 1,3 bilhão por ano, segundo cálculo do diretor-executivo da Apine (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica), Régis Martins.
"O programa só garante que a Eletrobrás irá comprar essa energia, não diz de onde virão os recursos", diz Martins, que representa o setor interessado em implantar projetos nesse segmento.



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