São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2004

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Crise custa US$ 107 bi a emergentes

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS

Evitar crises financeiras, a "chibata" dos tempos modernos, renderia US$ 107 bilhões por ano aos países emergentes ou, pelo menos, evitaria que perdessem esse portentoso volume de recursos.
O cálculo é de Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia, no primeiro de uma série de estudos para o "Consenso de Copenhague", uma iniciativa do Instituto Dinamarquês para a Avaliação Ambiental, em cooperação com a revista britânica "The Economist". A meta é analisar e estabelecer as propostas para "fazer avançar o bem-estar global".
As áreas avaliadas serão mudança climática; doenças "comunicáveis"; conflitos armados; educação; instabilidade financeira; governança e corrupção: desnutrição e fome; população e migração; saneamento básico e água; subsídios e barreiras comerciais.
No mês que vem, na capital dinamarquesa, os especialistas convocados a participar da iniciativa se reúnem e discutem os textos apresentados pelos responsáveis de cada área. Daí deve surgir o "Consenso de Copenhague".
O nome, por si só, indica que as receitas até agora seguidas pelos países emergentes, entre elas o "Consenso de Washington", ou são incorretas ou são insuficientes para o "bem-estar global".
As contas de Eichengreen sobre os efeitos da turbulência financeira fazem parte do pacote a ser discutido em Copenhague.
Escreve Eichengreen: "A crise financeira típica consome 9% do PIB [Produto Interno Bruto, medida da renda nacional], e as crises mais graves, como as que recentemente afetaram a Argentina e a Indonésia, apagaram mais de 20% do PIB, uma perda maior do que a sofrida como resultado da Grande Depressão", a crise mundial ocorrida a partir de 1929.
O especialista cita, entre outros, o fato de que a crise asiática de 1997 empurrou para a pobreza 22 milhões de pessoas da região.
Uma resposta para evitar tais crises, de resto óbvia, é melhorar os sistemas financeiros nos países emergentes. Eichengreen diz que, se os bancos e o mercado de valores da Índia fossem tão desenvolvidos quanto os de Cingapura, o país cresceria dois pontos percentuais a mais por ano.
Mas o especialista não chega a dar uma resposta à pergunta-chave nessa área, por ele próprio formulada: "Esses países [em desenvolvimento] devem abrir seus mercados financeiros ao capital externo, dessa forma expondo-se ao risco de crises cambiais? Ou deveriam impor controle de capitais, confinando a perversidade dos mercados financeiros às fronteiras nacionais, nas quais o Banco Central mantém o poder de enfrentá-las?".
Na resposta, Eichengreen lembra que, embora a China ainda seja um mercado financeiro em grande medida fechado ao capital externo, "não há falta de crédito".
Para outros países, no entanto, "a evidência é mista". Para a maioria, abrir-se ao capital externo aceleraria o crescimento econômico na maior parte do tempo, mas a cada dez anos, na média, haveria uma danosa crise.
Eichengreen aponta como o problema central o fato de que, "nos países mais suscetíveis [a crises financeiras], empresas e bancos tomam pesados empréstimos em dólares, mas emprestam dinheiro em moeda local. Se o valor da moeda local cai, esse descasamento entre ativos domésticos e compromissos em moeda estrangeira é cruelmente exposto". A descrição não está longe do que aconteceu com empresas brasileiras (e com o próprio Estado) que se endividaram em dólares, mas têm receitas em reais.

Soluções
Propostas para solucionar o "descasamento" são duas:
1) Ou criar uma moeda mundial, que possa ser usada por ricos e pobres da mesma forma.
2) Ou inventar "um mercado internacional líquido para bônus denominados em pesos, bahts [moeda tailandesa] e outras que os mercados emergentes são obrigados a usar".
Ou, posto de outra forma, criar um mercado para tomar e fazer empréstimos em uma unidade de conta virtual, com base em uma cesta de moedas de países emergentes (de alguma forma, assemelha-se à URV, que precedeu o lançamento do real no Brasil).
Eichengreen calcula que pôr de pé esse novo mercado de títulos custaria inicialmente algo em torno de US$ 545 milhões por ano -"uma pequena quantia se comparada com os US$ 107 bilhões que seriam poupados se crises cambiais pudessem ser evitadas".


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