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São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 2003

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LUÍS NASSIF

Vingança e justiça

Anteontem a cobertura da mídia com o caso Vilma atingiu o seu ápice, um show de notícia! Três filhos da empresária foram visitá-la. No presídio, foram verbalmente agredidos pelos prisioneiros. Fora, seu carro foi esmurrado. Como ousaram -mesmo sendo filhos- prestar solidariedade ao inimigo público número 1 do país, sua mãe?
A agressão da malta foi contra os filhos. Será que não cai a ficha de que alguma coisa está profundamente errada nessa cobertura, quando as vítimas maiores do episódio são tratadas como cúmplices do crime de que foram vítimas?
Recebi inúmeros e-mails sobre a coluna de ontem -na qual questiono a cobertura jornalística do episódio e a decretação da prisão preventiva da empresária. Alguns deles de pessoas diretamente envolvidas no episódio, nas investigações legais e na cobertura jornalística. Reclamam da coluna e mostram indícios que comprovariam a culpa da empresária.
Nenhuma palavra sobre o ponto central da matéria: como é que ficam os filhos de Vilma? Como explicar que essa mulher imoral, delinquente, retratada pela cobertura, possa ter criado filhos que enfrentam a fúria popular para defendê-la? Como justificar uma prisão, por algo cometido 15 anos atrás, por uma pessoa que não representa nenhuma ameaça à ordem pública e que destrói o que resta de âncora familiar para seus filhos?
Mais do que técnica jornalística, a busca do enfoque de cada reportagem reflete muito mais valores individuais, como o maior ou o menor respeito por direitos individuais, um sentido mais sofisticado de justiça, que não o mero justiçamento do criminoso.
Se houvesse um pouco mais de discernimento, o enfoque central da cobertura deveria ser a preocupação com o destino e o bem-estar dos quase meninos quase rapazes filhos da Vilma, que perderam o pai e, depois, souberam das acusações contra a mãe.
Não seria necessário muito esforço editorial. Bastariam reportagens contando como Vilma se comportou como mãe nesse período, qual a formação que deu aos filhos, qual sua relação com eles, a ponto de a defenderem com unhas e dentes, enfrentando a turba e uma cobertura massacrante, que devassou sua privacidade. Ela poderia ser condenada, mas haveria atenuantes, buscando principalmente preservar os filhos.
Mas o show da mídia é implacável. Final feliz é piegas, respeito à privacidade, respeito aos direitos dos inocentes são bom-mocismo que não rende dividendos. Por isso o enfoque foi nos pais biológicos, vítimas de um crime inominável, é certo, mas a quem se ofereceu apenas a saída da vingança -porque é isso o que o show requer. De pouco adiantou o gesto de verdadeiro pai demonstrado pelo pai biológico de Pedrinho, de recusar a vingança oferecida em prato quente, para não machucar ainda mais o rapaz. A dignidade do episódio ficou restrita aos familiares, aos filhos que, acossados por repórteres sedentos de sangue, se calaram e responderam com altivez: "Isso é um problema de família!".
Um dia ainda se vai entender que o exercício da generosidade e da tolerância pode produzir um jornalismo também eficaz e muito mais legitimador da profissão.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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