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LUÍS NASSIF
Vingança e justiça
Anteontem a cobertura da
mídia com o caso Vilma
atingiu o seu ápice, um show de
notícia! Três filhos da empresária foram visitá-la. No presídio,
foram verbalmente agredidos
pelos prisioneiros. Fora, seu carro foi esmurrado. Como ousaram -mesmo sendo filhos-
prestar solidariedade ao inimigo
público número 1 do país, sua
mãe?
A agressão da malta foi contra
os filhos. Será que não cai a ficha
de que alguma coisa está profundamente errada nessa cobertura, quando as vítimas maiores
do episódio são tratadas como
cúmplices do crime de que foram
vítimas?
Recebi inúmeros e-mails sobre
a coluna de ontem -na qual
questiono a cobertura jornalística do episódio e a decretação da
prisão preventiva da empresária. Alguns deles de pessoas diretamente envolvidas no episódio,
nas investigações legais e na cobertura jornalística. Reclamam
da coluna e mostram indícios
que comprovariam a culpa da
empresária.
Nenhuma palavra sobre o
ponto central da matéria: como
é que ficam os filhos de Vilma?
Como explicar que essa mulher
imoral, delinquente, retratada
pela cobertura, possa ter criado
filhos que enfrentam a fúria popular para defendê-la? Como
justificar uma prisão, por algo
cometido 15 anos atrás, por uma
pessoa que não representa nenhuma ameaça à ordem pública
e que destrói o que resta de âncora familiar para seus filhos?
Mais do que técnica jornalística, a busca do enfoque de cada
reportagem reflete muito mais
valores individuais, como o
maior ou o menor respeito por
direitos individuais, um sentido
mais sofisticado de justiça, que
não o mero justiçamento do criminoso.
Se houvesse um pouco mais de
discernimento, o enfoque central
da cobertura deveria ser a preocupação com o destino e o bem-estar dos quase meninos quase
rapazes filhos da Vilma, que perderam o pai e, depois, souberam
das acusações contra a mãe.
Não seria necessário muito esforço editorial. Bastariam reportagens contando como Vilma se
comportou como mãe nesse período, qual a formação que deu
aos filhos, qual sua relação com
eles, a ponto de a defenderem
com unhas e dentes, enfrentando a turba e uma cobertura massacrante, que devassou sua privacidade. Ela poderia ser condenada, mas haveria atenuantes,
buscando principalmente preservar os filhos.
Mas o show da mídia é implacável. Final feliz é piegas, respeito à privacidade, respeito aos direitos dos inocentes são bom-mocismo que não rende dividendos. Por isso o enfoque foi nos
pais biológicos, vítimas de um
crime inominável, é certo, mas a
quem se ofereceu apenas a saída
da vingança -porque é isso o
que o show requer. De pouco
adiantou o gesto de verdadeiro
pai demonstrado pelo pai biológico de Pedrinho, de recusar a
vingança oferecida em prato
quente, para não machucar ainda mais o rapaz. A dignidade do
episódio ficou restrita aos familiares, aos filhos que, acossados
por repórteres sedentos de sangue, se calaram e responderam
com altivez: "Isso é um problema
de família!".
Um dia ainda se vai entender
que o exercício da generosidade
e da tolerância pode produzir
um jornalismo também eficaz e
muito mais legitimador da profissão.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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